A coletividade vem pagando a conta de alguns: para cada R$ 1 de lucro da indústria do tabaco, o Brasil gasta R$ 5 com doenças causadas pelo fumo.
Foi-se o tempo em que processos contra a indústria do tabaco impunha indenizações pesadas pelo estrago às populações do mundo todo. Aqui no Brasil, as decisões judiciais mais comentadas indicavam que, mesmo com uma certeza médica de que doenças foram ocasionadas pelo uso contínuo do cigarro, a decisão de fumar é matéria de escolha pessoal, do exercício da liberdade que é assegurada pela Constituição, e que se algum mal resultar desse hábito não há como afastar a culpa exclusiva da vítima, ou seja, ninguém é obrigado a fumar, tudo é questão de livre escolha, até porque se até há algumas décadas não havia pleno esclarecimento sobre os males provocados pelo cigarro, hoje a conscientização é ampla sobre os danos causados à saúde. Por isso é que os Tribunais do País – seguindo uma tendência mundial, mesmo com alguns casos de condenação nos Estados Unidos e pouquíssimas no Brasil – vêm isentando as empresas fabricantes de cigarro de qualquer tipo de responsabilização. Enfim, não pode o consumidor que decidiu por fumar e por continuar fumando, pelo prazer que o cigarro lhe traz, depois querer responsabilizar terceiros.
Os dados mais recentes sobre os estragos do cigarro fazem parte de estudo divulgado semana passada pelo Instituto Nacional de Câncer (Inca) e pelo Ministério da Saúde: a cada R$ 156 mil de lucro de empresas de tabaco com a venda de cigarros equivale a uma morte por doenças cardíacas isquêmicas, acidente vascular cerebral (AVC), doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) ou câncer de pulmão atribuível ao tabagismo. O custo direto médio e o custo total médio equivalentes a uma morte pelas doenças selecionadas foram estimados em R$ 361 mil e R$ 796 mil, respectivamente. Assim, para cada R$ 1 lucro obtido pela indústria do tabaco, o Brasil gasta duas, três vezes esse valor com custo direto do tratamento de doenças relacionadas ao tabaco e 5,1 vezes esse valor com o custo total dessas doenças.
Além disso, o Brasil gasta R$ 153,5 bilhões por ano com os danos provocados pelo tabagismo, somando custos com tratamento médico e perdas econômicas por morte prematura, incapacidades e cuidados informais, ou seja, 1,55% do PIB. No entanto, a arrecadação de impostos federais com o setor alcançou R$ 8 bilhões em 2022, o que cobre apenas 5,2% dos custos totais causados pelo tabagismo ao país, que registra 477 mortes por dia no Brasil, ou 174 mil óbitos evitáveis por ano.
Se nem 10% da população, ou algo próximo a 20 milhões de pessoas se declararam fumantes, os outros 90% estão pagando uma conta, indiretamente, que não lhes pertence. Recursos que poderiam ser vertidos para diversos segmentos viram literalmente fumaça para dar suporte à conta imposta pelo tabagismo.
De pouco tem adiantado tratamento gratuito para dependentes da nicotina. No mesmo estudo do Inca torna-se evidente que a prevalência de fumantes no País cresceu 25%. Desde 2007 essa é a primeira vez que se constata aumento do número de fumantes, números impulsionados pelo consumo de cigarros eletrônicos, igualmente perniciosos.
Há uma saída clara e bem-sucedida em outros países para atenuar os impactos dessa conta que não fecha e que cresce exponencialmente: a política de aumento de preços e impostos pesados sobre produtos do tabaco, defendida, inclusive, pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e pelo Banco Mundial há décadas.
Quando sobe o preço real do cigarro com tributação elevada, cai o consumo. Tributar eficazmente nada mais é do que fixar um imposto que represente pelo menos 70% do preço de varejo e seja atualizado automaticamente para permanecer à frente da inflação e do crescimento da renda.
Esse o cenário: centenas de vidas perdidas diariamente, graves danos econômicos e fortes impactos na saúde pública.
Numa democracia plena e igualitária não é justo que a maioria custeie a capricho de alguns e o lucro desmedido de outros!
Colaborador:
Dr. Willian Nagib Filho (advogado)