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O Bom Diabo

Era temente a Deus. Tanto que, apesar de ganhar muito pouco, ao passar em frente à Capela do Divino deixava uma moeda. Também deixava sempre uma moeda de igual valor em outra capela muito simples (diziam ter sido erguida ao Diabo).

A vida era dura, a família pobre. O quase nada que ganhava ficava com os pais, mas as duas moedas diárias eram sagradas!

Isso durou dos onze, de quando começou trabalhar, aos vinte e um anos, quando resolveu sair de casa para ganhar a vida, fazer o mundo e juntar fortuna.

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Com a permissão dos pais, vendeu seus únicos bens, uma gaiola e um canário, e foi, não sem antes depositar as sagradas moedas em ambas as capelas. E seguiu viagem, sem olhar para trás!
Os dias que se seguiram não foram fáceis. O dinheiro era pouco e tudo custava: estadia, locomoção, refeição…

Passaram-se os dias e o dinheiro acabou-se e, em uma noite de muita fome, pediu em uma pensão algo que comer. Honesto, adiantou que não tinha dinheiro, mas tinha a certeza de um dia seria rico, “muito rico” e voltaria para pagar o que lhe dessem… “Com juros e correção”. O dono da casa sabia que a fome faz as pessoas sonharem demais, era avaro, mas não queria carregar consigo tal culpa. Deu-lhe um prato de arroz com feijão e dois ovos fritos.

Ao sair, agradecido, apertava a mão do homem e dizia: “Eu voltarei para lhe pagar. Voltarei… com juros e correção!”.

Muitos anos se passaram. Rico, muito rico, o rapaz passa de novo pela pequena cidade: a pensão, os ovos, as fomes já esquecidas… Vinte anos.

Talvez nem mais existissem o homem, sua pensão, as galinhas, os pintos, os ovos… Resolveu entrar e conferir.

O homem estava lá. Tinha espantosamente a mesma cara, no mesmo lugar, atrás do caixa, como se de lá nunca houvesse saído durante vinte anos e passasse a vida a esperá-lo. “Nem vai mais se lembrar de mim! Terá um susto ao ver a quantia que vou lhe dar!”, pensou satisfeito, já mentalmente apartando, o que seria para o pobre homem uma fortuna.

 O Senhor se lembra de mim? – Perguntou com um largo sorriso.

O pensioneiro lentamente contemplou o visitante, pensou, pensou e disse:

 Você é aquele jovem rapaz que há muitos anos passou por aqui e ao qual eu servi dois ovos.
 Puxa! O senhor tem uma boa memória! Vim lhe pagar os dois ovos. Mas vou lhe dar muito mais…

Mas, antes que concluísse, foi apartado pelo senhor:

 Eu já fiz suas contas! Você comeu dois ovos – fazendo com os dedos o número dois – Supondo, para ser justo, que fossem ali um frango e uma galinha, essa galinha em sessenta dias começaria botar e daria uns bons quinhentos ovos durante sua vida; que metade fossem também galinhas – duzentos e cinqüenta; que poriam mais quinhentos ovos cada e assim por diante…

Sem se cansar, seguia a explicar sua lógica e depois de muito calcular, chegou a um número tão grande, mas tão grande que não caberia aqui!
Discutiram. E, como não houvesse acordo, o caso foi ao tribunal da cidade. Um homem simples, amarrotado e coxo, que se dizia advogado faria sua defesa – era o único que havia!
Na hora do julgamento, estavam todos lá: réu, juiz, promotor, vítima, público, curiosos às pencas, menos o advogado.

 Onde está seu advogado? Tenho mais o que fazer. – Pergunta o juiz, impaciente.
O rapaz, aflito e inconformado, dava com os ombros, pois deste nem lhe sabia o nome.
 Se não aparecer em cinco minutos, darei a causa decidida por falta de defesa. – Ameaçava o Juiz.
O Meritíssimo já estava por proferir sua sentença quando chega o advogado esbaforido.
 Nobre advogado, o que o senhor fez – diz o juiz – é uma falta de respeito para comigo, para com o seu cliente e para com todos os presentes.
 Data Venia, Meritíssimo. Não pude realmente chegar antes – Argumentou o advogado, como quem tivesse um justo motivo.
 Se o senhor tiver uma boa justificativa para tamanho atraso, deixo-lhe fazer sua exposição.
 Bem, Meritíssimo… Eu estava cozinhando feijão… para plantar.
Diante da gargalhada geral, contendo-se para não rir alto também, o juiz disse:
 E onde o senhor viu feijão cozido dar vagem?
 E por que estamos cá a discutir se ovo frito dá pinto? – Conclui o advogado, calando a platéia.

À saída, o réu procurou o advogado:

 O senhor foi genial. Quanto lhe devo? Peça quanto quiser!
 Nada! – Responde o defensor.
 Como nada? Faço questão de lhe pagar. – Insiste.
 Lembra-se de quando jovem depositava diariamente aquela moedinha a Deus?
 Sei – Respondeu, lembrando-se de seus caminhos de criança, canários, gaiolas, moedas, capelas, a saída da cidade, as dificuldades e os caminhos até fazer fortuna.

Olha para o advogado que lhe sorri, como um pai a um filho querido. E conclui:

 Já me pagou quando depositava outra moeda a mim também.

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Antônio Fais

Colaborador

Escritor, Filósofo, Professor, Especialista em Linguagem e Aprendizagem.

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