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O Juízo de Papai Noel

Aconteceu, como um dia acontece a todos, de morrer Papai Noel.

Julgou-se, de início, pelos seus atos aqui na Terra, que seria prontamente acolhido por Deus, pois, de certo, Satanás não havia de querer tal indivíduo perambulando pelo Inferno dando exemplos de bondade e consideração para com os outros.

Assim sendo, senso comum, ele se dirigiu prontamente ao Céu, devendo ser apenas um ato formal Deus pedir para que Lúcifer fosse avisado da chegada de mais uma alma ao Paraíso. Este, ou algum assessor menor, deveria apenas carimbar “RECUSADO” no prontuário do defunto.

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Se bem ainda não sabem, mas um dia saberão, funciona mais ou menos assim: cada indivíduo, ou alma, se preferirem, dirige-se para onde julga ser merecedor. A outra parte, Deus ou o Diabo, é comunicada e, caso ache justo ser de seus domínios tal alma, faz reclamá-la. Vale ressaltar que a concorrência é acirrada. Caso não haja consenso, e não havendo acordo na Junta de Conciliação, o indivíduo pode:

(1) ir para o Purgatório, onde entra em uma longa fila de espera até que seu caso seja julgado e, com todos os recursos que têm direito as partes, leva uma eternidade;

(2) voltar à vida afim de que seja reavaliada sua situação. Neste caso pode voltar em (A) mesma situação que saiu; (B) situação pior – para se recuperar; (C) situação melhor – para ver como se comporta com o que aprendeu em vidas anteriores; não se tendo claro um consenso sobre qual das situações, entre 2B e 2C, é pior;

(3) ir para o Limbo, sendo que este último pode ser de duas espécies: (A) em um lugar que não se sabe ao certo onde é, não podendo assim se fazer uma melhor avaliação da pena; e (B) na própria Terra, onde a alma, em corpo físico, em forma humana, perambula entre os demais, nunca apresentando progressos no trabalho e demais situações cotidianas. Dizem, inclusive, que mais da metade dos viventes (mais da metade!), se assim os podemos chamar, é composta por almas condenadas em 3B.

Fato é que o Demo reclamou para si o Bom Velhinho e, quando chamado a dar seus motivos, falando direto com Deus, pois tal alma não poderia ser julgada por assessores de menor importância, perguntou-lhe o mais alto regente:

“Por que Vossa Senhoria acha que esta alma deve ir para o Inferno?”, Pergunta Deus, convicto de sua vitória.

“Para ser breve, pois, embora habitemos a eternidade, o nosso tempo é curto, explico: o Bom Velhinho, Santa Claus, Papai Noel, Pai Natal, São Nicolau, como o chamam na Terra, o tempo todo foi um mau exemplo à humanidade”, falava isso apontando para o velhinho, presente, ali sentado que, espantado, sentindo-se culpado, nada entendia.

“O Natal foi inventado, lá pelo ano 300 após o nascimento de nosso tão adorado Jesus” – não se sabe se aqui havia ironia ou era sincero o seu tom – “pela instituição que mais usa seu nome em vão. Usurparam dos povos nórdicos a data que comemorava o fim da mais longa noite do ano e o início da vitória do dia sobre a noite, 25 de dezembro, e Papai Noel, com uma mentira, pois todos sabem que Ele nunca poderia ter nascido nesta data, e muitos presentes, ajudou a consolidar a festa de Natal”.

“Eu poderia ainda falar muito mais, de pecados maiores e menores, da sua ligação com as forças capitalistas, maus tratos às renas, exploração de Duendes, a tentativa de iludir crianças, do estimulo à corrupção de menores que trocam o bom comportamento puro por presentes etc. etc. e tal. Mas vou só me ater a esses graves pecados iniciais, pois não haveria inferno suficiente para tantos pecados”, concluiu Satanás, arfando inflamado.

Pensativo, Deus, que não suporta perder almas, pediu:

“Sei, sei! Realmente, olhando de seu ponto de vista o caso é grave. Entenda, porém, Vossa Senhoria, que estamos julgando uma instituição e sonhos, não uma simples alma igual a todas as outras. Neste sentido, apesar de não lhe tirar a razão, queria gentilmente pedir-lhe para que considerasse mandar, provisoriamente, o Bom Velhinho, de volta à Terra, de tal sorte que ele possa reparar os seus erros”.

“E como Vossa Senhoria acha que ele deveria voltar para expiar esses graves pecados? E, principalmente, onde? Pois não há de voltar em um lugar qualquer.”, concluiu o Diabo com um ar de satisfação.

Deus novamente se fez pensativo e, com um certo sorriso malicioso, de quem sabia minimizar derrotas, sem muitas escolhas, sugeriu:

“O lugar é fácil: o Brazil. Lá ele terá bastante trabalho e oportunidades de se recuperar.

Quanto ao seu papel, vamos deixá-lo crescer, sem nossa interferência, para ver o que acontece”.

“Eu topo!”, falou o Demo, sabendo que a posse da alma seria agora apenas uma questão de tempo.

Apertaram-se as mãos e foram cuidar das tantas outras almas que por lá chegam todos os dias.

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Antônio Fais

Colaborador

Escritor, Filósofo, Professor, Especialista em Linguagem e Aprendizagem.

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