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Unicamp e Washington University reforçam parceria em pesquisa global sobre COVID-19

Rede de universidades investiga questões de saúde pública decorrentes de doenças infecciosas e impacto social de pandemias.

Duas pesquisas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) em parceria com a Washington University, dos Estados Unidos, estão entre as onze iniciativas selecionadas em um edital de cooperação científica internacional voltado à investigação dos impactos da pandemia do novo coronavírus sobre saúde pública, economia e sociedade.

Lançada em abril pela McDonnell International Scholars Academy – rede que reúne cerca de 30 universidades de pesquisa de primeira linha de diferentes partes do mundo –, a chamada teve como foco pesquisas interdisciplinares em duas áreas: questões de saúde pública decorrentes de doenças infecciosas como a COVID-19 e o impacto social de longo prazo da atual e de futuras pandemias.

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O objetivo é realizar pesquisas simultaneamente em diversos países, na busca por respostas mais abrangentes aos desafios impostos pelo novo coronavírus – os projetos vão receber até 50 mil dólares para dar início às atividades, recursos que serão administrados conjuntamente pelas instituições parceiras.

COVID-19 e gravidez

A médica obstetra Maria Laura Costa do Nascimento, professora do Departamento de Tocoginecologia da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, vai conduzir a pesquisa sobre as consequências da infecção pelo coronavírus na gravidez, com foco na coleta e análise de amostras da placenta de gestantes com teste positivo para COVID-19.

O estudo será feito dentro do Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (Caism), onde atualmente todas as mulheres internadas para parto já são testadas para a doença, independente da apresentação de sintomas. A prática também ocorrerá com a professora Indira Mysorekar no Barnes-Jewish Hospital, na Washington University, em Saint Louis, no estado de Missouri.

As docentes pretendem relacionar dados clínicos e laboratoriais de ao menos 40 gestantes em cada universidade – além da placenta, serão analisados outros materiais biológicos, como amostras do líquido amniótico e do sangue do cordão umbilical, das secreções respiratórias dos bebês e do leite materno.

Para Maria Laura, a parceria entre as duas instituições vai permitir estabelecer importantes comparativos entre os dois países que, juntos, representam hoje quase 50% dos casos confirmados da doença no mundo.

“Nosso objetivo é investigar se tem vírus detectável na placenta e quais são as vias implicadas na infecção. Existem poucos estudos publicados até então sobre a possibilidade de transmissão vertical, quando a infecção passa da mãe para o bebê, o que pode ocorrer antes, durante ou depois do parto, por meio da amamentação ou do contato”, explica ao Portal da Unicamp.

Danos

Como a placenta é uma das possíveis vias de transmissão intraútero, a pesquisa busca entender se a infecção do órgão pode causar danos pela ação direta do vírus, ou se são os efeitos da doença no corpo da mãe que geram alterações na placenta que, por sua vez, podem comprometer a nutrição ou desenvolvimento do bebê.

Segundo Maria Laura, embora até o momento não haja indícios de que as gestantes são mais suscetíveis ao coronavírus, quando infectadas já se sabe que complicações associadas podem ocorrer. “Aumenta o risco de parto prematuro, de rotura de bolsa, e de uma complicação gravíssima para a gestação, que é hoje a principal causa de morte materna no Brasil: a pré-eclâmpsia [pressão alta durante a gravidez], cujos sintomas parecem estar associados aos da COVID-19”.

A hipótese central do estudo é que tais complicações podem estar relacionadas à presença na placenta de um receptor para o coronavírus chamado angiotensina 2 (ACE2), que embora já amplamente descrito em outros sistemas, segue um enigma no órgão.

“Os estudos são controversos: tem estudo que mostra que a placenta expressa esse receptor, e tem estudo que não, e talvez isso seja até um mecanismo de proteção para a transmissão vertical, isto é, que possa estar relacionado ao fato de o coronavírus não gerar danos mais graves, como a má-formação fetal observada nos casos de infecção pelo zika vírus, por exemplo”, salienta.

Segundo a pesquisadora, o ACE2 faz parte do sistema renina-angiotensina (SRA), cuja via de ativação desempenha importante papel no desenvolvimento placentário, na angiogênese (formação dos vasos sanguíneos) e na regulação da pressão arterial.

Protocolo

Para a análise das placentas, será utilizado um protocolo adaptado a partir da pesquisa que Maria Laura vem realizando sobre o zika vírus, em que são retiradas amostras de várias partes do órgão.

Diferente do protocolo tradicional do Ministério da Saúde, que preconiza a coleta de apenas uma região aleatória da placenta, o método que a pesquisadora aprendeu e aprimorou junto aos colegas da Washington University, além de aumentar a representatividade de amostras, também agrega medidas adicionais de biossegurança, o que, no caso do zika, permitiu um aumento significativo no número de diagnósticos positivos.

“Tudo isso vai ser importante para investigar o coronavírus e também para investigar o risco de transmissão vertical”, reforça a obstetra.

Para Maria Laura, ter o projeto selecionado num esforço internacional de pesquisa sobre a COVID-19 é uma motivação importante num cenário que tem exigido muito de todos os que atuam na assistência à saúde e na pesquisa científica.

“Isso mostra o mérito acadêmico da Unicamp, e a capacidade que a instituição tem de responder de maneira rápida diante das dificuldades. Fico feliz que o projeto esteja também fortalecendo uma parceria que já vem de muitos anos entre as duas universidades”, avalia.

Pandemia e HIV

Outra pesquisa que a Unicamp vai desenvolver em parceria com a Washington University pretende monitorar os impactos da pandemia de COVID-19 na assistência à saúde de pessoas com HIV, envolvendo pacientes dos centros especializados de cada universidade.

Desde 2013, Mônica Jacques de Moraes, médica infectologista e pesquisadora do Grupo de HIV/AIDS da FCM, mantém parcerias com a equipe da Divisão de Doenças Infecciosas da Washington University.

No ano passado, durante sua última viagem a Saint Louis como fellow da instituição, pode estreitar relações com o infectologista Elvin Gang e a antropóloga médica Shanti Parikh – antes mesmo da eclosão da pandemia, o três já vinham alinhavando uma pesquisa conjunta para monitoramento de políticas de saúde pública de HIV/AIDS, a qual foi prontamente adaptada à chamada da McDonnel Academy.

“A gente vai analisar a interação entre essas duas epidemias, isto é, se houve algum prejuízo no cuidado a pessoas com HIV por conta da pandemia de covid-19, com todas as modificações no sistema de saúde que estão ocorrendo no momento”, conta Mônica ao Portal da Unicamp.

Ela ficará responsável pelo monitoramento dos cerca de 2700 pacientes atendidos pelo Ambulatório de HIV/AIDS da Unicamp, enquanto Gang pelos quase 2 mil pacientes do programa de HIV da universidade americana (WU ID Clinic).

Já Shanti irá trabalhar com uma amostragem dos pacientes de cada universidade para realizar uma análise qualitativa do impacto da pandemia, através de entrevistas e outros procedimentos antropológicos.

Parâmetros

O estudo pretende analisar diferentes parâmetros do cuidado a pessoas com HIV antes, durante e depois da eclosão da pandemia, ou seja, irá abranger os seis meses anteriores a fevereiro deste ano , quando os diagnósticos começaram a ser confirmados nos dois países, e os seis meses posteriores ao período pandêmico, inicialmente estabelecido entre fevereiro e setembro de 2020.

“Infelizmente, talvez esse período pandêmico ainda se estenda por mais tempo nos dois países, então teremos que fazer alguns ajustes”, admite a pesquisadora.

“Existem alguns indicadores de qualidade de cuidado em HIV, como por exemplo, quantas pessoas interromperam o tratamento no período, quantas pessoas foram diagnosticadas e começaram o tratamento em cada período, quanto tempo demorou do diagnóstico ao início da medicação, qual o estado saúde do paciente quando iniciou o acompanhamento, e também as medidas de carga viral ao longo destes três períodos, que é um indicador de sucesso terapêutico”, explica.

Já a parte qualitativa da pesquisa – que na Unicamp contará com a colaboração da área de Psiquiatria da FCM, em especial do professor Paulo Dalgalarrondo – terá foco na experiência dos pacientes durante a pandemia, isto é, se eles foram bem orientados ou se sentiram descuidados durante a pandemia, se tiveram problemas com o acesso aos tratamentos, se foram infectados ou tiveram familiares que adoeceram pelo coronavírus e assim por diante.

Coleta de dados

A estimativa dos pesquisadores é de que a coleta de dados tenha início em setembro, quando se espera a retomada das consultas de rotina presenciais, que foram adiadas em razão da COVID-19.

“O interessante é que Saint Louis e Campinas têm muitas semelhanças: são cidades praticamente do mesmo tamanho, o número de pacientes atendidos nos ambulatórios de cada universidade é quase o mesmo, assim como o perfil dos pacientes atendidos, geralmente da mesma faixa etária”, analisa Mônica.

“Tem algumas diferenças – nós temos mais mulheres, eles mais homens; e lá há um número maior de pacientes usuários de substâncias intravenosas –, mas é um perfil muito parecido, e um tipo de tratamento antirretroviral também muito semelhante, o que permite ajustar bem os procedimentos pesquisa”, completa.

No início de julho, um relatório da Unaids, programa conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS, alertou que as metas de 2020 não serão cumpridas e que há grande risco da pandemia de COVID-19 prejudicar as políticas públicas na área. Segundo o documento, uma interrupção completa de seis meses no tratamento do HIV pode causar mais de 500 mil mortes adicionais na África Subsaariana até 2021, o que representaria um retrocesso de 10 anos nos níveis de mortalidade na região.

“Temos um programa de HIV muito bem-sucedido, que ao longo desses últimos 30 anos sempre tivemos muito orgulho de participar, porque é um programa de alto nível. Os efeitos da pandemia vão variar de local para local, e a Unaids está muito atenta à epidemia de HIV na África, onde pode haver sim impactos maiores. Aqui no Brasil a gente acha que vai ter impacto também, principalmente em novos diagnósticos e no início do tratamento, mas esperamos que seja algo viável de se recuperar logo em seguida”, comenta a infectologista.

Segundo ela, a situação vem sendo trabalhada pelos serviços de HIV vinculados ao Ministério da Saúde, que desde meados de março já foram mobilizados para estabelecer protocolos que garantam a assistência aos pacientes durante a pandemia.

Receituários

Na Unicamp, Mônica conta que, por causa do coronavírus, uma das primeiras medidas foi prorrogar a validade dos receituários, para facilitar o acesso aos medicamentos e a continuidade do tratamento.

Além disso, todos os pacientes de HIV em acompanhamento tiveram seus exames de rotina checados e foram contatados por telefone para receber orientações da equipe, que pôde assim identificar os casos que necessitavam de consulta por telefone ou presencial – apenas três deles com diagnóstico positivo para a COVID-19, o que, segundo a infectologista, reforça os indícios de que não haveria um risco aumentado de contaminação dessas pessoas.

“Era uma preocupação que a gente tinha, mas no mundo inteiro, os ambulatórios de HIV estão observando um número relativamente pequeno de pessoas com HIV que tiveram a covid-19. Temos observado também que algumas pessoas que não estavam se cuidando, que estavam em abandono de tratamento, por medo da pandemia voltaram a se cuidar melhor”, observa.

“Acho que a cooperação entre as duas universidades fica mais sólida a partir de um projeto conjunto como esse. Fico muito satisfeita, pois é um tema que demanda respostas que vamos poder contribuir para encontrar”, conclui Mônica.

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