Por: William Nagib Filho
A Lei 14.181, de 1º de julho passado, alterou alguns dispositivos do Código de Defesa do Consumidor, especialmente para tratar da prevenção e do tratamento ao chamado superendividamento.
Você, entulhado de dívidas como tantos brasileiros, que pode agora ser chamado legalmente de “superendividado”, receberá tratamento especial no contexto da Política Nacional de Relações de Consumo, cujo objetivo é o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade e a proteção de seus interesses econômicos e melhora da sua qualidade de vida.
A nova Lei acrescenta como princípios legais o fomento de ações direcionadas à educação financeira e ambiental dos consumidores e a prevenção e tratamento do superendividamento, como forma de evitar a exclusão social do consumidor.
Passa a ser direito do consumidor a garantia de práticas de crédito responsável, de educação financeira e de prevenção e tratamento de situações de superendividamento, preservado o mínimo existencial (conjunto dos direitos fundamentais sociais mínimos para se garantir a dignidade humana), por meio da revisão e da repactuação das dívidas, entre outras medidas.
A novidade legislativa mais importante diz com a prevenção e tratamento do que se intitula superendividamento: impossibilidade de o consumidor, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial, dívidas essas que englobam quaisquer compromissos financeiros assumidos decorrentes de relação de consumo, inclusive operações de crédito, compras a prazo e serviços de prestação continuada.
Não valem as novas regras legais se as dívidas foram contraídas mediante fraude ou má-fé, ou com propósito de não realizar o pagamento ou sejam ligadas a aquisição ou contratação de produtos e serviços de luxo de alto valor.
Agora, o consumidor superendividado poderá socorrer-se do Judiciário na busca da repactuação de dívidas. Em audiência conciliatória, na presença de credores, o consumidor apresentará proposta de plano de pagamento com prazo máximo de 5 (cinco) anos, preservando a si próprio um mínimo existencial, dentro do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.
O interessante é que se não houver êxito na conciliação em relação a quaisquer credores, o juiz, a pedido do consumidor, instaurará processo por superendividamento para revisão e integração dos contratos e repactuação das dívidas remanescentes mediante plano judicial compulsório e procederá à citação de todos os credores cujos créditos não tenham integrado o acordo porventura celebrado.
Poderá haver também a chamada conciliação administrativa para prevenir o superendividamento. Se houver acordo firmado perante os órgãos públicos de defesa do consumidor, será ajustada uma data para a exclusão de registros do consumidor devedor nos bancos de dados e de cadastros de inadimplentes. Para isso, deverá assumir o compromisso de se abster de condutas que importem no agravamento de sua situação de superendividamento, especialmente a de contrair novas dívidas.
A Lei também acrescenta que são nulas cláusulas contratuais que estabeleçam prazos de carência em caso de impontualidade das prestações mensais ou impeçam o restabelecimento integral dos direitos do consumidor e de seus meios de pagamento a partir da liquidação total de dívidas ou acordo com os credores.
Passa a ser proibido também ao fornecedor de produto ou serviço que envolva crédito cobrar qualquer quantia que houver sido contestada pelo consumidor em compra realizada com cartão de crédito ou similar, enquanto não for adequadamente solucionada a controvérsia, desde que o consumidor haja notificado a administradora do cartão com antecedência de pelo menos 10 (dez) dias contados da data de vencimento da fatura.
O Código de Defesa do Consumidor Brasileiro já era de vanguarda. Agora, com as alterações, incorpora a questão do superendividado, figura muito característica em tempos de Pandemia.
William Nagib Filho – Advogado e Conselheiro da OAB/SP.