Vivenciam-se quatro crises sobrepostas: sanitária, econômica, política e ambiental. A retomada pós-isolamento impõe repensar a globalização trilhando uma economia limpa, ou voltaremos às pandemias e extremos climáticos, resultado de uma sociedade excludente socialmente e que não respeita os limites de sua relação com a natureza. O coronavírus vai acelerar o aumento de exigências ambientais daqui para frente, especialmente na relação com parceiros comerciais.
A partir disso a pauta ambiental inclui a chamada “Análise de Riscos”: verificar, medir, acompanhar e dimensionar os riscos de determinada situação.
Na década de 70, foi celebrado pela primeira vez o “Dia de Terra”, engajando milhões de pessoas nos EUA, “pedindo por emergência” na área ambiental, por um novo ambientalismo. Os mesmos temas ainda persistem, 50 anos depois.
Nos anos 60, a bióloga Rachel Carson escreveu sobre os riscos do uso indiscriminado do agrotóxico DDT. Em 1969, os EUA publicaram sua primeira lei ambiental, trazendo à tona estudos de impacto ambiental. Entre as décadas de 1960 e 1980 várias demandas ambientalistas foram politicamente aceitas pelos legisladores e transformadas em leis em vários países, regulando a emissão e tratamento de poluentes e toxinas ambientais. O ambientalismo próximo da ciência no enfrentamento dos impactos de produtos químicos na saúde: o despertar para a transversalidade da temática ambiental.
A propósito disso, a crise gerada pela COVID-19 está mudando a maneira de pensar e administrar vários aspectos da vida urbana, uma vez que a ocupação dos espaços urbanos, o fluxo de pessoas nesses espaços, assim como a liberdade de ir e vir da população passam a ser determinados pela política de avaliação de riscos à saúde. Sem falar na questão de geração, acondicionamento e destinação de resíduos, intensamente aumentados devido ao confinamento.
A experiência recente da crise sanitário-econômica adverte para o aprendizado das lições de governança urbana: a COVID-19 tem mudado a face das cidades, levantado questionamentos sobre a origem desses fenômenos e sobre a administração da vida urbana na onda pandêmica, que não é nova (os últimos 100 anos foram recheados de pandemias), mas é inédita pelo alcance global total devastador. O Ministério da Transição Ecológica Solidária da França, por exemplo, dará 50 euros para cada cidadão equipar e consertar bikes, no intuito de evitar aglomerações nos transportes públicos.
Reflexão sobre as lições não aprendidas remete à maneira pela qual as análises de risco têm sido feitas. Sem considerar o devido risco, o homem tem se colocado nos espaços anteriormente destinados à fauna e flora nativas, privilegiando a exploração comercial e urbana dessas áreas, colocando-o em contato direto com as fontes silvestres de disseminação de diferentes tipos de vírus.
Daí o excesso de verticalização urbana, elevando adensamentos populacionais, tornando difícil o controle de circulação das pessoas, aumentando a probabilidade de transmissão dos vírus.
Direito Ambiental leva em consideração esses e outros tantos aspectos, mais ainda agora, com o mundo todo focado na rota da “economia limpa” pós-crise e na perspectiva de negócios que permitam o desenvolvimento sustentável. A análise de risco ambiental levará em conta uma infinidade de fatos e experiências multidisciplinares para os planejamentos urbanos.
Temos boas leis brasileiras e, principalmente, acordos e pactos internacionais que servem muito bem para a construção de uma política ambiental alinhada com o melhor que se apresenta mundialmente. Aliás, o Supremo Tribunal Federal, dias atrás, decidiu que o dano ambiental é imprescritível: estende-se para o futuro, além do limite do tempo, o direito de impor a reparação civil de um dano ambiental. O Supremo trouxe segurança jurídica: empresas e instituições deverão manter rigorosos padrões ante a gravidade do sistema punitivo ambiental no caso de geração de dano, com importantes reflexos para o Compliance Ambiental, auditorias e inúmeras operações societárias, nesse novo caminho para a economia limpa.
Pena o atual titular da pasta ambiental nacional não pensar antes de pronunciar que o momento da pandemia é bom para fazer passar “qualquer mudança infra legal”, ainda que fragilize controles e punições. Como revelado na famosa reunião de turpilóquios, já que se só fala em Covid, o negócio é “ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas”.
Fragilizar normas e destruir o que já se conseguiu até aqui – a duras penas – na área ambiental afetará exportações, quebrará confianças e criará prejuízos de toda ordem para o país. Suscitar retrocessos ambientais macula a agenda do setor e vai à contramão dos princípios colaborativos e de tudo o que se viu em termos de perdas da biodiversidade por conta da forma até aqui prevalecente no se relacionar com o planeta.
Mais do que a singela integração global comercial, de agora em diante o lema é cooperação global ambiental para uma economia genuinamente limpa.
William Nagib Filho e e Carol Manzoli Palma, advogados