Há um ano a Lei Federal 14.181/21 alterou dispositivos do Código de Defesa do Consumidor para tratar da prevenção e do tratamento especial ao chamado superendividamento e os riscos de verdadeira exclusão social dos brasileiros.
Passou a ser direito do consumidor a garantia de práticas de crédito responsável, de educação financeira e de prevenção e tratamento de situações de superendividamento, preservado o mínimo existencial (conjunto dos direitos fundamentais sociais mínimos para se garantir a dignidade humana), por meio da revisão e da repactuação das dívidas, entre outras medidas.
A Lei trouxe, ao menos em tese, a impossibilidade de o consumidor, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial, dívidas essas que englobam quaisquer compromissos financeiros assumidos, inclusive operações de crédito, compras a prazo e serviços de prestação continuada.
O “superendividado”, também em tese, poderá socorrer-se do Judiciário na busca da repactuação de dívidas. Em audiência conciliatória será apresentará proposta de plano de pagamento com prazo máximo de 5 (cinco) anos, preservando a si próprio um mínimo existencial, dentro do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. O juiz poderá instaurar processo por superendividamento para revisão e integração dos contratos e repactuação das dívidas remanescentes mediante plano judicial compulsório, chamando todos os credores para uma boa conversa.
O fato é que a possibilidade de negociação coletiva não emplacou na Justiça até agora: de cada 100 tentativas, 20% tem alguma chance de vingar. Os superindividados não conseguem apresentar um plano detalhado de pagamentos com identificação consistente das despesas mensais com aluguel, água, energia e alimentação, que formam o tal “mínimo existencial”.
É bem verdade que prejudicou muito a aplicação dessa Lei o fato de que somente na semana passada o Governo Federal editou o Decreto 11.150, que definiu tecnicamente o valor do que se considera esse tal mínimo existencial, vale dizer, R$ 303,00 ou 25% do salário mínimo.
Outro obstáculo encontrado nesse 1º ano de vigência da Lei do Superendividamento é que o Conselho Nacional de Justiça apenas na virada de 2021 para 22 regulamentou a questão toda por meio da Recomendação n° 125, sugerindo aos tribunais do pais implementarem núcleos de conciliação e mediação para os superendividados, orientando os juízes quanto a adotar fluxograma e formulário padrão para avaliar o nível do endividamento de quem procurar a Justiça no ambiente dessa Lei específica.
A coisa complicou mais ainda porque o devedor dos empréstimos consignados pode comprometer 40% do que recebe (há previsão de que chegue a 45% em curto prazo).
O que preocupa é que, se já não bastasse o contingente crescente de superendividados, agora também serão incluídos os cerca de 20 milhões de famílias pertencentes à população que depende da renda de programas sociais, como o Auxílio Brasil.
Permitir o consignado para os beneficiários dos programas sociais e ampliar a margem de comprometimento da renda vêm deixando os bancos bem agitados e “entusiasmados”.
Por outro lado, agentes da área social consideram uma verdadeira “bomba” de endividamento para pessoas em situação de vulnerabilidade que recebem o Auxílio Brasil. O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) considera que a concessão do crédito consignado para a população que depende da renda de programas sociais dará mais dinheiro ao setor bancário às custas do endividamento dos mais pobres, pessoas que não sabem direito o que é empréstimo, nem tampouco o que é o consignado.
Os brasileiros, em abril passado, atingiram 78% de índice de endividamento, maior marca nos 12 anos de controle.
A pergunta que não quer calar: diante do que se vê no atual cenário econômico nacional, vai aumentar ou não o cordão dos superendividados?
Colaborador: William Nagib Filho – Advogado