Por: Antonio Fais
Era uma vez, há muito e muito tempo, um reino onde todos eram felizes. É, devia ser a muito tempo mesmo, mas deixa pra lá. Felizes? Bem, não era bem assim. Eles viviam em paz, não havia disputas, não havia mais guerras. Pra falar a verdade, era um reino muito chato, pois, sem guerras, não havia muito que fazer. Vale lembrar que, como essa é uma história antiga, não havia TV, onde se vê as querelas dos outros, videogame, computador, e nem poderia, pois não havia sequer energia elétrica.
Enfim, para quebrar a monotonia o Rei criou um concurso: quem inventasse a melhor maneira dele se distrair, receberia até metade de sua fortuna! É, parece que valia a pena pôr a cabeça para pensar, pois diziam que ele era muito rico. Mas de pouco lhe valia esse dinheiro ou mesmo o prêmio, pois só apareciam palhaços, jogos bobos e um montão de coisas chatas.
Um dia, porém, apareceu um jovem com um jogo com pedras pretas e brancas, com cavalos, torres, reis, bispos, rainhas e peões em um tabuleiro xadrez. Parecia interessante, mas o nome era meio esquisito e longo: Campo Hermético de Batalhas Pacíficas! Tentaram outros, como Preto x Branco, mas foi recusado, pois não parecia politicamente correto; Gladiadores ou Batalha Mortal, mas fazia apologia à violência. Bem, como sempre, o nome que pegou foi o da vontade do povo: xadrez. Houve, de início, alguns protestos, principalmente do clero, que em tudo sempre viu sacanagem, pois acharam meio esquisito o cavalo comer bispo, bispo comer rainha. Mas, depois de muita explicação, foi permitido, apenas o Rei conseguiu que ele não pudesse ser comido, substituído por um xeque-mate.
Bem, nem o rei, nem os súditos daquele reino eram muito inteligentes, o que garantiu um bom tempo de comida e estadia grátis para o jovem inventor. Até que enfim aprenderam a jogar. Não foi fácil, mas aprenderam. O rei, fascinado pelo jogo e contente com suas grandes vitórias conquistadas, é bem verdade que algumas facilitadas pelo mestre e os súditos, porque, saibam, rei é rei, e sempre será rei, finalmente resolveu dar a recompensa ao jovem inventor.
Apesar de rei ser rei e sempre manter sua palavra, ao menos nos contos, fazia isso com dor no coração, pois não queria se apartar de sua fortuna. Dirigindo-se ao jovem em audiência pública:
– Achei interessante tua invenção. Creio que tu mereças uma recompensa. – Meio que desdenhando do feito do rapaz, para diminuir seu prêmio.
– Que bom que Vossa Majestade tenha gostado. Soube que havia prometido até metade de sua fortuna real por algo que o distraísse – disse o jovem ardiloso, ciente do pesar do monarca.
– Não é bem assim! Não é bem assim, meu jovem. Teria de ser algo realmente inusitado….
– Mas, adianto Majestade, não quero metade de vossa fortuna real – Interrompendo o Rei o rapaz.
– Vejo que tens senso de justiça, meu jovem. Quanto queres então?
– Venho, Vossa Majestade, de um lugar pobre, onde há fome, muita fome. Quero, portanto, o meu pagamento em grãos de trigo.
– Grãos de trigo? Recomendo-te que recebas em ouro e aí comprarás todo o trigo de que necessitam.
– Com todo respeito, insisto Majestade, quero apenas trigo.
– Se é assim que queres, assim será, jovem tolo. Quantas toneladas de trigo tu hás de querer?
-Quero que Vossa Majestade ponha um grão de trigo na primeira casa do tabuleiro, dobre e ponha dois grãos na segunda casa e, assim por diante, dobrando sempre, quatro na terceira, oito na quarta, até as sessenta e quatro casas do tabuleiro.
– Assim será meu jovem. Eu, o Rei, ordeno que se cumpra e amanhã ser-te-á entregue tua recompensa.
O Rei nessa noite dormiu aliviado por ter feito um grande negócio e não ter perdido metade de sua fortuna, mas, também com uma certa angústia da injustiça, pensou até em dar uma recompensa extra ao jovem rapaz.
No dia seguinte, foi acordado logo cedo por seus serviçais que, desesperados, não sabiam o que fazer: a noite toda trabalhando, pouco tinham passado do meio do tabuleiro, mas não havia mais onde estocar trigo e, cada nova casa, o negócio dobrava.
– Chamem meus matemáticos! – Ordenou o rei.
– Já o fizemos, Majestade. E eles disseram que mesmo que plantássemos trigo por toda terra vista e ainda por ser descoberta, não haveria grãos suficientes para pagar o jovem rapaz!
Pelo que vocês viram o Rei entrou em uma fria. Só de curiosidade, supondo que três grãos de trigo pesem um grama, com a produção mundial de trigo de 2004, ou seja, 574 milhões de toneladas.
Calcule quantos anos seriam necessários para pagar a dívida do Rei. Faça as contas e não se assuste. Ah! Uma tonelada de trigo, no atacado, custa cerca de R$ 500! Como será que o Rei resolveu este problema?