O número de decisões judiciais nos Tribunais Estaduais e Superiores com base no chamado protocolo de perspectiva de gênero mais que triplicou entre 2023 e 2024. A expressão foi citada em mais de 3.000 julgamentos em 2024, contra 400 em 2022, com destaque para as áreas criminal e de família.
Essa diretriz advém do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, aprovado em fevereiro de 2022 pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para todo o Judiciário e previsto na Recomendação 128, na linha do quanto determinado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no sentido de orientar magistrados a compreender a perspectiva de gênero para superar estereótipos e preconceitos.
O protocolo deve ser aplicado para a resolução de conflitos em que o gênero possa influir de alguma maneira na situação enfrentada no caso em concreto, nivelando as desigualdades existentes na sociedade.
O protocolo é fruto do amadurecimento institucional do Poder Judiciário, que passa a reconhecer a influência que as desigualdades históricas, sociais, culturais e políticas a que estão submetidas mulheres e minorias.
Essa vem sendo a forma de enfrentamento, pelas cortes de Justiça, das variadas violências de gênero que existem: violência sexual, violência física, violência sexual, violência psicológica, violência patrimonial, violência moral, violência política, dentre outras, ocorrentes a todo momento e em todos os ambientes.
No TJ do Paraná, um caso envolvia ação de ex-mulher para a divisão de bens excluídos propositadamente pelo ex-marido na partilha. A mulher não tinha acesso aos documentos relacionados aos bens e os desembargadores determinaram ao juiz da comarca que tomasse medidas para mitigar a diferença de capacidade probatória para não prejudicar o pedido da mulher diante da situação de vulnerabilidade que ela se encontrava.
No TJ de São Paulo, analisando um caso de união estável em que se acusava a mulher de infidelidade, a turma julgadora considerou ser importante evitar que a naturalização de comportamentos e conceitos históricos se sobreponham à prova dos autos e à técnica jurídica.
Nos TJ do Rio a questão do histórico de violência doméstica do homem contra a mulher foi considerada para afastar a pretensão de aumento de pensão que a ex-esposa pagava ao ex-marido, portador de doença grave.
O protocolo engloba não só o combate à desigualdade de gênero, mas também outros tipos de preconceitos, pois a violência pode afetar de maneira e intensidade diferentes as mulheres negras, pessoas com deficiência, indígenas, idosos e LGBTQIA+.
Na Justiça do Trabalho uma empresa foi condenada a pagar indenização por danos morais porque o funcionário foi alvo de xingamentos racistas por parte de um cliente e (a empresa) não tomou nenhuma providência em socorro do colaborador. Noutro julgamento houve a anulação de um pedido de demissão feito por funcionária que, não tendo com quem deixar seu filho após a licença-maternidade, requereu prorrogação da licença por mais alguns dias, sem sucesso, o que a levou a pedir demissão. A decisão converteu a dispensa para rescisão imotivada, com a empresa condenada a pagar indenização pelos meses de estabilidade pós-parto.
Uma enfermeira, mãe de criança com paralisia cerebral, obteve o direito à redução de jornada sem desconto na remuneração, numa análise sob a perspectiva de gênero que atentou para o acúmulo de encargos de empregada, mulher e mãe que cuida de filho com necessidades especiais.
Aqui vale o pensar da Advogada Natércia da Cunha Silveira, em discurso que fez em 1927: “a única desigualdade admissível será a que se fundar na diversidade das qualidades intelectuais e morais do indivíduo”.
Colaborador: William Nagib Filho – Advogado