Por: William Nagib Filho – Advogado
O Presidente da República, nas entrevistas que dá acerca dos entreveros com integrantes do Supremo Tribunal Federal, afirma que os poderes devem agir dentro das “quatro linhas” da Constituição. Diz agir dentro das quatro linhas e quando alguma decisão judicial está fora desse limite, o antídoto também não seria dentro das quatro linhas!
Como todo mundo agora se mostra conhecedor de Direito Constitucional, dando pitaco aqui e acolá, talvez seja importante entender melhor do assunto para mais acertadas reflexões, lendo, por exemplo, artigo do professor Marcelo de Azevedo Granato (Estadão de 22.4), onde faz uma abordagem técnica interessante sobre os traços e conteúdos do que seriam as tais “quatro linhas” da Constituição de 1988 referidas pelo Presidente.
Uma primeira linha tem a ver com os Princípios Fundamentais da Carta de 88. O Brasil se constitui em um Estado Democrático de Direito caracterizado pela soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana e que todo poder emana do povo. A liberdade de expressão, tão em evidência nos atuais debates, também está incluída nessa primeira linha.
A segunda linha diz com a tripartição dos poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário recebem, por distribuição constitucional, suas diretrizes de independência, de maneira a proteger o cidadão (que é a maior autoridade do regime democrático) de abusos e incorreções dos representantes de cada Poder.
A terceira linha estaria ligada aos objetivos fundamentais do Brasil, vale dizer, a construção de uma sociedade justa e solidária, com a redução das desigualdades sociais e erradicação da pobreza.
A quarta linha é caracterizada pelos princípios que regem o Brasil nas relações com os demais povos, com destaque à prevalência dos direitos humanos.
Além dessa importante lição técnica do professor Granato quanto àquilo que seriam as quatro linhas da Constituição, uma outra explicação pode ser bem importante para melhor qualificar o leitor para os debates no ambiente dessa polarização política jamais vista: todos os dias questões jurídicas envolvendo a intepretação da Constituição ganham destaque.
Pois bem: a avaliação e mensuração (e possível confronto) de princípios e garantias constitucionais que compõem as “quatro linhas” é um exercício constante do Poder Judiciário diante dos casos em concreto. Como resolver aparentes conflitos de princípios e garantias? Para onde inclinar o pêndulo?
São duas as soluções: a primeira é a da concordância prática por meio de juízo de ponderação que vise preservar e concretizar ao máximo os direitos e bens constitucionais protegidos: havendo colisão entre valores constitucionais, o que se deve buscar é a otimização entre os direitos e valores em jogo, no estabelecimento de uma concordância. Busca-se o melhor equilíbrio possível entre os princípios colidentes. Uma tentativa de aplicação simultânea e compatibilizada de normas, ainda que no caso concreto se torne necessária a atenuação de uma delas.
A segunda é o da dimensão de peso e importância: quando se entrecruzam vários princípios, o juiz haverá de resolver o conflito devendo levar em conta o peso relativo de cada um deles no caso concreto.
É assim, por exemplo, que o Supremo julgou um caso em que, de um lado, era necessária uma transfusão de sangue e garantia à vida de uma criança enferma e, de outro, a liberdade e inviolabilidade de consciência e crença religiosa defendida por seus pais ao recusaram a transfusão. Colisão evidente de princípios constitucionais (direito à vida e dignidade da pessoa humana x liberdade e crença religiosa). Prevaleceu o direito à vida, em nítida observância às “quatro linhas”.
A liberdade de expressão e manifestação, de um lado, e um ataque à honra, à democracia e suas estruturas de poder, de outro, fez com que o Supremo decidisse dias atrás reprimir quem abusou da primeira, concluindo que a liberdade de expressão existe sim para a manifestação de opiniões contrárias, jocosas, sátiras, opiniões errôneas até, mas não para imputações criminosas, discurso de ódio e atentados contra o Estado de Direito e o próprio regime democrático.
Não bastassem os milhões de técnicos de futebol para ajudar ou criticar a seleção dentro das quatro linhas do gramado, agora teremos também milhões de juristas enaltecendo ou criticando cada decisão do Supremo envolvendo integrantes do Executivo e do Legislativo.
Para o leigo, principalmente, este artigo pode servir de bom substrato para incrementar a polarização, agora com algum conteúdo técnico, e não simples achismos!
Colaborador: William Nagib Filho – Advogado