Nos últimos três anos, com a elevação de Jair Messias Bolsonaro ao Palácio do Planalto, o vocábulo “fascismo” passou a ser repetidamente empregado por jornalistas, intelectuais e militantes políticos para designar atos e discursos do Presidente da República e de autoridades públicas ligadas ao seu Governo.
Considerando que a palavra fascismo comporta toda uma simbologia e carrega uma história de atrocidades contra a humanidade convém indagar: existem de fato práticas fascistas sendo reproduzidas no país?
Como esclarece Leandro Konder, o termo fascismo – adotado por Benito Mussolini em 1919 para designar o movimento que acabara de criar (de natureza miliciana e que se notabilizou por agredir, intimidar e assassinar seus adversários políticos), o fasci de combattimento – e que cerca de dois anos depois se tornaria o Partido Nacional Fascista – decorre da palavra fascio, isto é, feixe.
O fascio foi instituído como símbolo pelos césares da Roma antiga: os magistrados eram precedidos, em suas aparições públicas, por funcionários que carregavam um machado (representando o poder do Estado de decapitar seus inimigos), cujo cabo era reforçado por um feixe de varas (para simular a unidade do povo em torno de sua liderança).
O Partido Nacional Fascista chegou ao poder na Itália em 1922. O país, posteriormente, em conjunto com a Alemanha nazista e com o Japão Imperial comporiam o “Eixo” responsável por crimes hediondos contra a humanidade durante a Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945).
Contudo, nossa intenção não é resgatar a história de sangue, sofrimento e morte perpetrada pelo fascismo no Século XIX, mas buscar uma aproximação ao significado desta doutrina e identificar as condições objetivas elementares para sua concretização.
Ainda nas palavras de Leandro Konder, o fascismo:
a) é uma tendência que surge na fase imperialista do capitalismo e que se apresenta como uma política favorável à crescente concentração de capital;
b) é um movimento político conservador sob uma fachada modernizadora;
c) é marcadamente chauvinista e antidemocrático;
d) apoia-se numa ideologia eclética, que abrange um pragmatismo radical e mitos irracionalistas, conciliando-os com procedimentos formais de cunho manipulatório.
Para o autor, seu crescimento em um país pressupõe circunstâncias históricas especiais:
a) uma preparação reacionária destinada a enfraquecer as forças democráticas;
b) a existência de uma sociedade de massas de consumo dirigido e de capital financeiro (fusão do capital bancário com o industrial).
Humberto Eco, que viveu na pele os horrores do fascismo, também elenca uma série de características que lhes são intrínsecas, dentre as quais destacamos:
a) o irracionalismo (o pensamento constituiria uma forma de castração);
b) a recusa em aceitar críticas;
c) o medo da diferença e da diversidade;
d) a existência de um sentimento de frustração individual ou social;
e) o nacionalismo (obsessão pelo complô; apelo à xenofobia);
f) o conflito permanente contra adversários reais ou inimigos imaginários;
g) o elitismo (desprezo pelos fracos);
h) o apelo ao heroísmo (a educação visa à formação de heróis, que devem aspirar à morte, vista como uma recompensa da vida heroica);
i) o machismo;
j) a adoção de uma “novilíngua” (ensino baseado em um léxico pobre e em uma sintaxe elementar, com o fim de limitar os instrumentos para um raciocínio complexo e crítico).
Isto posto, e rememorando o alerta de Florestan Fernandes, vê-se que o fascismo não perdeu, como realidade histórica, seu significado político, tampouco sua influência ativa, persistindo como ideologia e utopia, tanto de modo difuso, como uma poderosa força política organizada.
Deste modo, podemos concluir que:
1) O fascismo é um fenômeno absolutamente contrário à democracia, aos direitos e à dignidade da pessoa humana;
2) Sua implantação envolve, necessariamente, a consolidação de um regime ditatorial, onde a propagação de violência é inevitável;
3) O Brasil, obviamente, possui as condições materiais indispensáveis para sua viabilização: além de possuir uma “sociedade de massas de consumo dirigido” e de capital financeiro, os interesses deste prevalecem sobre as demandas individuais e coletivas da população;
4) O terreno reacionário para sua edificação vem sendo preparado:
a) a desmoralização do sistema político brasileiro (conduzido pela Operação Lavajato, que culminou em um golpe de Estado parlamentar e na vitoria de um grande contingente de políticos que podem ser identificados com o ideário fascista nas Eleições de 2018);
b) a violação da soberania nacional, com a entrega de setores estratégicos (energia, comunicação etc.) para o desenvolvimento do país ao capital financeiro;
c) os ataques sistemáticos às instituições que garantem a existência do Estado Democrático de Direito (desrespeito às decisões do Supremo Tribunal Federal, ameaças de fechamento do Congresso Nacional, suspeição sobre as ações do Tribunal Superior Eleitoral – segurança das urnas eletrônicas – etc.);
d) o desmantelamento de órgãos governamentais civilizatórios (Fundação Palmares, IBAMA, FUNAI, MEC, FNDE, MDH, IPHAN etc.);
e) as tentativas de incutir na sociedade valores contrários à democracia e aos direitos humanos (exaltação de ditaduras, da tortura e de torturadores etc.).
Portanto, não é possível que um país congregue, ao mesmo tempo, a democracia e o fascismo. Só há espaço para um deles, ou seja, para que um sobreviva, o outro precisa morrer.
Neste prisma, não é novidade afirmar que as Eleições de 2002 serão o campo de batalha onde a guerra entre a democracia e o fascismo terá um capítulo decisivo.
Como vêm indicando as pesquisas eleitorais, apenas uma força mostra-se capaz de derrotar eleitoralmente a ascensão fascista no país: a liderada pela chapa Luiz Inácio Lula da Silva/Geraldo Alckmin e que agrega partidos políticos como PSOL, PV, PT, PC do B, PSB e Rede Sustentabilidade e que pode expurgar os agentes do fascismo não apenas do Governo Federal, mas também do Congresso Nacional.
Logo, aqueles que querem a manutenção do regime democrático no Brasil – sejam os que estão à esquerda ou a direita do PT – não podem mais tergiversar: quem não cerrar fileiras contra o inimigo comum agora (o fascismo), irão capitular em face dele depois.
Adriano Moreira é doutor em Educação e diretor de escola.