Por: Willian Nagib Filho
Afirma Eliane Cantanhêde (Estadão de 16.08) que a realidade e os fatos vão para um lado e a popularidade do Presidente da República vai para outro. O desempenho questionável no combate à pandemia e desmanche no Ministério da Saúde (governadores e prefeitos que se virem com a coisa!), a disparada nas queimadas, o abandono e exclusão da cultura da pauta nacional e a política externa vergonhosa estão fortes na boca da oposição ao governo, mas é um antagonismo que, pelas recentes pesquisas, acaba soando mais para gritaria de arquibancada (que ataca forte o juiz), mas não muda o placar do jogo!
Parte da derrota da realidade é fácil de se explicar: 35% de todo o auxílio emergencial de R$ 600,00 serviu ao Nordeste (com 27% da população do país). Em 2019 metade da população do Nordeste viveu com cerca de R$ 260,00 mensais e os 10% mais pobres recebiam menos do que R$ 60,00. O impacto dos 600 reais é imenso. Lula sabia demonstrar sua “preocupação” com o povo da região e sempre ganhou por lá. Bolsonaro descobriu a fórmula, ao mesmo tempo em que parou com a metralhadora incontrolada contra tudo e todos, o que fez crescer sua aprovação nas pesquisas mais recentes.
Pois bem: nesse ambiente de “aclamação” popular, aproveita o führer para tentar acabar com a isenção de tributos sobre os livros. Paulo Guedes, o ministro (ainda ativado), quer pôr fim ao incentivo e onerar o setor, pois entende que livros são artigos para a elite e que o governo os dará de graça aos pobres, quando quiserem!
Só faltava essa!
Monteiro Lobato dizia que um país se faz com homens e livros. Tudo o que possa prejudicar o acesso do cidadão ao livro deve ser rechaçado.
Em nota de repúdio, a OAB Nacional já se posicionou com indignação à proposta de reforma tributária que poderá onerar em 12% os livros no país e inviabilizar o trabalho de muitas editoras, autores, artistas gráficos, ilustradores, livrarias e toda a cadeia produtiva.
Aumentar o preço dos livros é trancar as portas da oportunidade, do estudo, da educação, da formação de todo um povo. É conspirar contra o desenvolvimento e aumento da competitividade do Brasil. Em última análise, é atravancar reconhecido caminho pelo qual o povo pode alcançar vida digna por meio do estudo e da educação de qualidade.
Sem contar que a literatura nas periferias é veículo de formação de identidade, daí porque o acesso à leitura jamais deve ser privilégio, mas uma prerrogativa de todos, do pobre ao rico. O cidadão de baixa renda tem o direito de escolher o que quer ler e não pode ficar sujeito às doações de livros pelo poder público, conforme orientação político-ideológica do governo de plantão, como sugestiona Guedes.
É fato: a medida pretendida prejudicará a ampliação do acesso à educação e à cultura. Quanto mais leitores e leitoras, mais desenvolvimento humano, mais economia forte. Prejudicar o acesso ao livro atrapalha a formação das pessoas, especialmente quanto à cultura (e formação) política.
No Brasil, há mais de 70 anos, desde a Constituição de 1946, o livro é isento de impostos, por conta de iniciativa de Jorge Amado.
A estratégia fiscal de Guedes naufragou, as contas estouraram, as privatizações não saíram. A reforma tributária é necessária, até aí tudo bem, ninguém questiona isso. Mas taxar o livro (como um pretenso mecanismo de maior arrecadação para o governo), num contexto econômico em que diversas livrarias estão em recuperação judicial e o poder público não nutre os quatro cantos do país com livros para quem precisa, não passa de bibliografia de mau gosto.
William Nagib Filho, Advogado e Conselheiro da OAB/SP