Por: Antonio Fais
Era um personagem estranho, para dizer o mínimo. Filho do meio de três irmãos, de família de classe média alta, seguindo a profissão do pai e o irmão mais velho, entrou em medicina. Durante o curso, viu que não era isso que queria; cursou então, engenharia, formou-se, mas nunca exerceu. Como desde criança sempre foi apaixonado por livros, resolveu ser professor de português em escolas públicas e, mais tarde, escritor. Não vendia muito, ou quase nada, pois a maioria dos seus livros era incompreensível ao público em geral. Até recebia boas críticas, mas dinheiro que é bom, nada.
Em família também não era bem visto: inflamava-se em qualquer discussão, principalmente se bebesse um pouco a mais. Entendia de quase tudo e, embora nunca tivesse saído do país, sabia vários idiomas melhor que os viajados irmãos e sobrinhos. Falava inclusive Esperanto, coisa que, diziam todos, não servia para nada e não enchia a barriga! Sempre endividado, pois quase tudo gastava em caros livros e coisas que não citaremos aqui. Certa vez disse a mulher de um senador, amigo do irmão mais velho, que o gosto literário dela era uma merda, só porque ela falou que gostava muito de ler, que a-do-ra-va o Paulo Coelho e estava a-man-do o Código Da Vinci. Com uma sonora gargalhada, bradava inconformado: “Uma merda! Uma merda!”.
Assim, ele mesmo estranhou quando foi convidado pelo irmão para crismar o sobrinho, pois além de anarquista e socialista, era ateu. Ateu mesmo, não apenas agnóstico. Nunca fora convidado para nada, pois além de não ser muito desejado nas festas, nunca dava presentes e vivia sempre com a cara amarrada – nunca sorria.
Foi uma das poucas vezes que não sabia o que dizer, emocionou-se a ponto de lhe sair lágrimas dos olhos. O irmão, que nunca discutia com ninguém, fincou o pé quando a mulher foi contra: “É ele e pronto!”.
Ele levou o negócio a sério. Sabia, de leituras, melhor que qualquer um a bíblia, sobre a igreja católica e tudo mais. Decidiu conter-se e não envergonhar ninguém. Quis também, como manda os bons modos, dar um presente ao sobrinho, mas este realmente era um problema: com dívidas por todos os lados, não tinha mesmo de onde tirar. Chorou ao dormir e questionou sua vida, se estava certo. Concluiu que era tarde para mudar, mas…Estava resolvido o presente!
Durante a cerimônia esteve irrepreensível: mentiu-se católico, cumpriu todos os rituais em um Armani emprestado. Pela primeira vez na vida, e única, foi visto sorrindo. Ninguém acreditava que era ele mesmo, nem o próprio! Após o ato, durante a festa, chamou o sobrinho para o escritório e disse:
“Como você sabe, seu tio é pobre e não lhe pode dar nenhum presente adequado. O convite, depois que soube ter partido de você, emocionou-me muito e fez-me repensar a minha vida toda. Não a recomendo a ninguém, em especial a você. Hoje, dadas as minhas posses, o máximo que lhe posso dar são conselhos. Se um conselho só pudesse lhe dar, seria: Sorria! Sim, sorria. Sorria a todos, em todos os momentos. Mesmo àqueles que lhe ofendem. Não se inflame. Quando questionado sobre algo, sorria. Faça sempre uma cara de quem está prestando atenção e… Sorria! Aos novos amigos, cumprimente-os sorrindo.
Sempre que encontrar alguém que não goste, olhe-o pouco e sorria. Sempre que receber um elogio, mesmo que injusto, sorria. Se for criticado, ainda assim, sorria. Sempre que lhe fizerem uma proposta, boa ou ruim, não pense muito nela, nada responda, apenas sorria.
Afinal, o importante é ser feliz. Se alguém lhe disser que a-do-rou o último livro do Roberto Shiniashiki, sorria. Apenas, sorria!”.