Por: Rafael Cervone
Há um ano, em março de 2020, quando a Covid-19 eclodiu no Brasil e em numerosos países, extrapolando as fronteiras da China e se transformando em uma das mais graves pandemias de todos os tempos, a indústria paulista, como vários outros setores, foi obrigada a interromper suas atividades, devido às primeiras medidas de quarentena.
Naquele momento, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e as autoridades do nosso país ainda não haviam dimensionado os impactos do vírus, a velocidade e as formas de transmissão. Tudo era uma incógnita, mas, em meio à tamanha incerteza, a indústria rapidamente reagiu e desenvolveu eficazes protocolos de retorno seguro, iniciativa que teve grande contribuição do Sesi e do Senai, especialmente os de São Paulo.
Como vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), à qual as duas instituições de ensino são vinculadas, tive a oportunidade de participar desse trabalho. Realizamos reuniões com a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e representantes de Portugal, França, Alemanha, Estados Unidos, Coreia do Sul, Japão e Espanha, dentre outras nações. Formou-se uma ampla rede de relacionamento, nacional e internacional, para prospecção de soluções.
Conseguimos estruturar protocolos eficientes. Um ano depois do início da pandemia, o que mais se comenta nas linhas de produção é que os colaboradores sentem-se mais seguros dentro das empresas, graças aos rígidos processos de controle e proteção, do que nas ruas, nos ônibus ou até mesmo em casa, onde muitas vezes não se adotam ou até se relaxam tais procedimentos. Todos os ambientes e processos foram estudados minuciosamente, desde o transporte coletivo de responsabilidade das empresas que oferecem essa facilidade aos funcionários, o escalonamento e distanciamento seguro de entrada na fábrica para o registro do ponto, uso de máscaras, higienização das máquinas, equipamentos e estações de trabalho, das mãos e a conscientização dos colaboradores para a prevenção. Cuidados iguais nos refeitórios e banheiros.
Houve um grande movimento de inovação. Hoje, existem novos produtos de assepsia para equipamentos médico-hospitalares e unidades fabris, que matam o vírus e impedem sua propagação. Além disso, criaram-se túneis de desinfecção, aparelhos de dispensação de álcool gel acionados pelo pé e divisórias de acrílico ou barreiras entre uma estação de trabalho e outra. Agora, essas soluções estão em todos os lugares. Também foi notável a velocidade com que numerosas fábricas, de distintos segmentos, passaram a produzir máscaras, álcool (líquido e em gel), aventais, luvas, seringas e agulhas, protetores acrílicos para o rosto, equipamentos hospitalares e outros produtos essenciais ao enfrentamento do novo coronavírus.
Em todas essas frentes, foi relevante o papel da FIESP e do CIESP (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo), que, dialogando com o governo e associações hospitalares e de saúde, dimensionaram a previsão de aquisição dos equipamentos e negociaram com as empresas para que não faltassem. As entidades também participaram de modo ativo das discussões que culminaram com as medidas econômicas contingenciais em âmbito federal, como o programa de crédito, auxílio emergencial de R$ 290 bilhões, contemplando 68 milhões de pessoas, e programa de manutenção de emprego e renda, que beneficiou quase 10 milhões de trabalhadores, permitindo a redução de jornada com proporcional diminuição salarial.
Além disso, FIESP, CIESP, SESI-SP e SENAI-SP proveram numerosas contribuições no enfrentamento da pandemia: um milhão de máscaras cirúrgicas; 170 mil máscaras face shield; um milhão de frascos de álcool gel; preparo e distribuição de aproximadamente 11 milhões de refeições (SESI-SP); distribuição de 100 mil cobertores (FIESP/SESI-SP); o SENAI-SP reparou 209 respiradores e capacitou sete montadoras de veículos, resultando no conserto de outros 633 respiradores, totalizando 842 entregues a instituições de saúde; desenvolvimento, documentação, produção e nacionalização de peças do respirador Inspire, um projeto da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo/Marinha do Brasil (produção de 3.153 peças – diverter, válvula macho e fêmea, acoplador, adaptador, espigão, molas, parafusos, buchas e porcas); e 800 mil matrículas gratuitas em cursos a distância (EAD) do Senai-SP para a sociedade e empresas.
Mesmo com o cenário de crise e a redução excepcional da arrecadação do SESI e SENAI, de 50% durante três meses, decorrente da Medida Provisória 932/2020 e lei 14.025/2020, relativas às entidades do Sistema S, a atual gestão viabilizou as operações previstas com superávit orçamentário e ainda realizou mais de R$ 173 milhões de investimentos (obras e equipamentos) nas duas instituições.
Essas ações contribuíram muito para diminuir os danos socioeconômicos da pandemia. Porém, no Estado de São Paulo, que representa 30% do PIB industrial do País e cujo peso, portanto, é relevante em termos nacionais, tem faltado sensibilidade ante a difícil conjuntura. O CIESP e a FIESP têm mantido intenso diálogo com o governo paulista, um dos poucos que nada fez em termos econômicos para atenuar a crise. Ao contrário, no seu auge, majorou impostos, mesmo com aumento de arrecadação.
O Estado mais forte do Brasil, que mais gera empregos, renda e tributos, foi o mais penalizado. As entidades da indústria, entretanto, continuarão com ações efetivas na tentativa de reverter o aumento da carga tributária em São Paulo, inclusive com ações na Justiça. Também seguimos atuando em outras esferas,visando acelerar as reformas tributárias e administrativas, na busca de uma rápida recuperação econômica.
Um ano depois, a pandemia ainda é um imenso desafio. Precisamos enfrentá-lo com resiliência, coragem e competência. Nesse sentido, a vacinação em massa é a principal resposta para salvar vidas, conter a contaminação e viabilizar a retomada do crescimento. Porém, falta-nos o volume necessário de doses. É algo irônico, pois temos o maior e melhor sistema de distribuição de medicamentos do mundo, que é a rede do SUS. Muitas nações, ao contrário, possuem o produto, mas carecem de uma estrutura de logística como a nossa na área da saúde.
Portanto, é premente mobilizarmos todos os recursos necessários para imunizar os brasileiros, reciclar a esperança e emergir da pandemia fortalecidos pelas duras lições que ela nos impôs e por tudo o que aprendemos nesses 12 meses de enfrentamento da pior crise da humanidade em um século.
Rafael Cervone é vice-presidente da Fiesp e do Ciesp (Federação e Centro das Indústrias do Estado de São Paulo).