Por Priscila Assumpção
“Por que, mãe?”, suplicou Tadeu pela enésima vez. “Por que tem que contar para todo mundo que eu estou com essa coceira?”
A mãe de Tadeu, uma senhora pouco distinta que gostava de circular nas altas rodas da sociedade de São Paulo, e já se acostumara a ser tratada com deferência, não se fez de rogada. “Olha aqui, Tadeu. Você me respeite, viu? Sou sua mãe.” E continuou a fofocar com as amigas. A festa rolava solta.
Tadeu suspirou. Viu que não adiantava falar nada na frente dos outros, muito menos reclamar da indiscrição da mãe. Suspeitava que ela não tinha consciência do incômodo que provocava. Ela só queria que todos soubessem como estava a par de tudo que acontecia com o filho. Era uma maneira de pegar carona em sua reputação e manter o status de pessoa importante. Afinal, era mãe de um jogador de futebol conhecido e amado.
Não era a única. Vários supostos amigos aproveitavam sua fama para cavarem seus quinze minutos nos noticiários esportivos, entregando algum segredo da vida pregressa do jogador. Nem se preocupavam se era verdade ou não, pois a memória pode ser bastante criativa. O que importava era mostrar quão íntimos eram do Tadeu.
Tadeu costumava ser paciente e compreensivo. Só que, assim como água mole em pedra dura tanto bate até que fura, a paciência de Tadeu também tinha limites. E, infelizmente para sua mãe, essa informação inapropriada sobre sua intimidade foi a gota d’água que furou a pedra.
“Mãe”, disse Tadeu com a voz baixa, fria e grave, “precisamos conversar seriamente! Agora.” A mãe parou em meio ao que estava dizendo a uma vizinha. Engoliu seco mediante o olhar do filho. “Com licença, querida”, disse à vizinha, “meu filho, Tadeu, precisa de mim.”
Tadeu conduziu a mãe a um dos quartos da casa que hospedava a festa. Lá teriam mais privacidade. “Mãe”, começou quando estava certo de que não havia ouvidos intrusos na conversa dos dois, “assim não dá, Mãe. Em geral não me importo se fofoca sobre coisas da minha vida, mas tem coisas que eu preferia que ninguém soubesse.” A mãe ficou um pouco perdida, sem entender bem qual o problema. Tadeu continuou, “Quando fala de coisas do dia a dia, o que eu comi, coisas que eu mesmo talvez compartilhasse, não tem problema. Isso tudo é bobagem. Mas quando entra em assuntos de saúde, aí não, né Mãe? Isso é muito particular.” A mãe fez cara de quem não estava entendendo, e Tadeu notou o beicinho que apareceu no rosto contrariado.
“Bom, se não posso comentar o que acontece com meu próprio filho, que me fez ficar em trabalho de parto por dezesseis horas, sofrendo dores horríveis, é porque fiz algo muito terrível mesmo.” Tadeu suspirou. Percebeu que não daria para resolver esse conflito com uma única conversa no meio de uma festa. “Vamos combinar o seguinte? Pode contar o que quiser, menos da coceira. Combinado?” A mãe de Tadeu pareceu sair da defensiva.
“Tá bom, filhinho. Mamãe não vai mais falar da sua coceira. Mas vê se cuida logo, hein?” “Pode deixar, Mãe. Pode deixar.”
Voltaram de braços dados para a festa da alta sociedade paulistana. A mãe logo se perdeu nas fofocas, onde tudo sobre Tadeu foi discutido minuciosamente durante o resto da noite.
Colaboração: Priscila Assumpção, Terapeuta, Mediadora, Especialista em Comunicação