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A Cola (ou Como Se Tornar Um Bom Aluno)

De modo desastroso, chegava ao fim aquele que tinha sido, até então, o pior ano de minha vida: a quinta série. Nos anos anteriores, eu sempre estava entre os melhores alunos da classe, os professores me elogiavam, mas agora não, nada me entrava na cabeça, havia emburrecido de vez e era o fim, eu ia repetir o ano e não tinha a menor idéia de como explicar isso à minha mãe.

As provas iam começar no dia seguinte. A primeira era do seo Argemiro – Português. E eu precisava tirar dez. Dez em Português. Sabe o que é isso?

Em sua última aula antes da prova, ele pergunta:

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– Vocês têm alguma dúvida?

E eu, que nunca abrira a boca em sala, de modo meio agressivo, falei:

-Todas!

– Como assim? – Insiste na pergunta, com um ar meio cínico, que me encorajava a enfrentá-lo.

– Eu não sei nada. Acho que não vou nem fazer mais as provas. Vou começar tudo de novo no ano que vem.
Ele, rindo, como soubesse o que eu estava passando, disse:

– Eu também já tive essas dificuldades para aprender e tirar nota nas provas.

– E como o senhor fazia?

– Simples: eu colava! – Falando alto, de modo a acordar até o Washington que sempre dormia em sua aula.

Nesse momento, só o que se ouvia na classe era um burburinho geral. Levou alguns minutos até que ele pudesse continuar:

– E é isso que vou fazer com vocês: podem colar em minha prova.

Ainda entre o barulho que não parava, perguntei:

– Como assim?

Vocês vão poder fazer colas. Mas têm umas regras: cortem um papel de 15 por 10 centímetros; a primeira coisa a pôr, é o seu nome completo; só pode ser preenchido à mão; escrevam nele o que vocês quiserem; e, finalmente, ele só poderá ser consultado duas vezes durante a prova: quem quiser usá-lo, deve me avisar antes de fazer a consulta. Combinado?

– Combinado! – Concordamos todos, ou ao menos a maioria, já que parecia um bom negócio para quem simplesmente ia repetir o ano.

Eu me lembro bem, até hoje, da confecção de minha cola e da dificuldade em convencer minha mãe que o professor tinha autorizado. Primeiro escrevi meu nome, bem pequeno, para sobrar espaço e espremer lá toda a matéria. Em seguida fui pondo as regras de acentuação: “proparoxítonas todas; oxítonas em AEO, paroxítonas PS: UM XURI NÃO dá LÃ, hiatos… Diferenciais: pólo, pára, pôr, pêra, pêlo…” e assim por diante. De tão pequena a letra, sobrou espaço no papel.

No dia da prova, fiquei pensando qual seria a melhor hora de pedir para colar, afinal só poderia fazê-lo duas vezes. Não foi necessário. Eu havia decorado tudo. Tirei dez! Todo mundo foi bem, menos os que não haviam feito a cola.

Sugerimos ao professor de História que nos deixasse fazer assim também, mas ele, além de não permitir, contou ao Diretor sobre péssimo exemplo do professor Argemiro, que, se bem me lembro, foi advertido e não mais integrou o quadro de professores no ano seguinte (Vale aqui um parêntese: no auge do governo militar não sabíamos como protestar contra tamanha injustiça. Essa lição, infelizmente, só me veio bem mais tarde). Voltando aos fatos:

Embora não pudesse, fiz uma cola, no mesmo tamanho e tudo, para a prova de História: “Atenas: oligarquia 621ac código Drácon. Fortuna concentrada cidadãos metecos escravos. Sólon 594ac classes Bulé Eclésia. Pisístrato tirania. Clístenes Péricles demos ostracismo…” e um novo dez. E para as provas de Matemática… E Ciências… E Francês… Relia a cola antes de começar a prova e novamente dez. Na prova de geografia precisei fazer uma consulta à cola durante a prova e, por incrível que pareça, foi a única que não tirei dez: tinha pulado uma página do livro que faltou na cola. Desse ano em diante, só passei colando.

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Antônio Fais

Colaborador

Escritor, Filósofo, Professor, Especialista em Linguagem e Aprendizagem.

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