Tempos difíceis para todos. Quem tem imóvel em condomínio residencial por vezes fica tentado a colocá-lo para locação no site da plataforma Airbnb, para busca e reserva de acomodação para turistas interessados. Abrange milhares de cidades e centenas de países. Paga-se valor expressivo e pode salvar o orçamento do proprietário.
Contudo, há um grande problema em tal proceder: donos de imóveis em condomínios residenciais (leia-se aqui condomínios para moradia e não aqueles compostos por chácaras ou unidades para locação variada, com diversificada finalidade de uso), ao enxergarem tal forma de ganhar dinheiro, acabam criando toda ordem de problemas para síndicos, porteiros, administradoras de condomínios e, obviamente, para os demais condôminos, que passarão a conviver com estranhos a cada dia (ou noite).
Isso porque não se trata de simples locação para temporada e, sim, verdadeiramente, de serviço de hotelaria, com check-in e check-out, estrutura mobiliada, equipamentos de lazer e por aí vai.
Tudo bem que a Constituição Federal garante o direito de o proprietário do imóvel usar, gozar e extrair da coisa todos os benefícios ou vantagens que ela propiciar. No entanto, a propriedade não é um direito absoluto, devendo ser utilizada de forma racional e consciente, tanto no que diz respeito à sua função social, quanto à coexistência pacífica com terceiros no entorno.
Por óbvio que toda e qualquer restrição ao seu uso deve pautar-se no interesse e resguardo da ordem social. Logo, as limitações são imprescindíveis ao bem-estar coletivo, dentro de perspectivas de coexistência harmônica e pacífica de direitos garantidos: do proprietário, de um lado, e dos demais cidadãos, de outro.
Se cada condômino pode usar, gozar e dispor livremente de sua unidade estritamente residencial sem prejudicar os demais, e se o acesso livre ao condomínio só é liberado para os condôminos, inquilinos, familiares destes ou convidados autorizados, é claro que o sistema do Airbnb não se coaduna com o modelo tradicional de condomínio residencial, porque se trata de atividade comercial, substitutiva ou alternativa à hotelaria convencional ou “motelaria”.
Cria-se toda ordem de problemas aos demais condôminos, porteiros e administradores, impondo riscos os mais variados sob o aspecto de segurança de moradores, funcionários, visitantes, além de previsível excesso de barulho dependendo das reais finalidades de utilização, quando se distanciar da simples estadia para lazer e descanso.
Questão palpitante, atrelada à evolução da própria sociedade, vinha sendo apreciada pelo Judiciário país afora há alguns anos. No dia 20 de abril deste ano foi a vez do Superior Tribunal de Justiça, última instância para a matéria, decidir um caso que acabou, por maioria de votos, mantendo a proibição dessa atividade de hospedagem em imóveis instalados em condomínio residencial.
O Ministro Raul Araújo ressaltou que “residência é a morada de quem chega e fica”. A alta rotatividade de pessoas é indicio da hospedagem – exercida sem profissionalismo -, o que não era permitido pela convenção do condomínio envolvido no caso concreto julgado. Assim, existindo regra impondo destinação residencial, é inviável o uso das unidades particulares, que por sua natureza, implique o desvirtuamento daquela finalidade.
A questão, portanto, é a destinação diversa das unidades condominiais em relação àquela prevista originalmente pelo instituidor do Condomínio e que, presume-se, tenha atraído os condôminos para a compra de suas unidades.
Sem o mínimo controle, diante da alta rotatividade que essa nova opção impõe, é bom que os síndicos e administradoras, além dos próprios condôminos, protejam-se, blindem-se e se organizem para evitar a mercantilização no uso de imóveis puramente residenciais, escolhidos para se ter segurança, paz, tranquilidade a ausência de contratempos e preocupações com estranhos – sabe-se lá com que intenções -.
William Nagib Filho – Advogado, é Conselheiro da OAB/SP