Por: William Nagib Filho – Advogado
No preâmbulo da Constituição de 1988 consta que o Brasil se trata de um Estado Social Democrático, em que é assegurado o exercício dos direitos sociais e individuais e a justiça, numa sociedade harmônica com solução pacífica das controvérsias. Um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil é a construção de uma sociedade justa.
Dentro dos Direitos e Garantias Fundamentais está salientado o acesso à justiça, ou seja, a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito: todos, indistintamente, possuem o direito de postular, perante os órgãos do Poder Judiciário, a tutela jurisdicional adequada e efetiva, respeitando-se, por óbvio, as garantias do devido processo legal, no mais amplo contraditório e ampla defesa.
Bem verdade que dentro da ideia mais ampla de acesso à Justiça há outras vias possíveis de solução de conflitos e não somente a do Judiciário: Conciliação, Mediação, Negociação, Arbitragem, e também pela via das políticas públicas.
No entanto, para os que aqui vivem ainda é forte e predominante a cultura de se buscar o Judiciário, mesmo diante de vários obstáculos que prejudicam os que batem às portas dos fóruns país afora.
Um desses obstáculos é o alto valor de custas e taxas judiciárias. Quem não pode pagar e não consegue litigar sob o manto da gratuidade processual (o rigor dos magistrados para deferir o benefício tem sido incrível), pode ficar em maus lençóis e impedido de fazer valer o direito constitucional de acesso à Justiça.
Aqui em São Paulo, para pior as coisas, há um projeto de lei que tramita na Assembleia e tem impacto direto no custo para mover ações no ambiente do Tribunal de Justiça de São Paulo. Caso aprovado, uma nova taxa sobre ações de cumprimento de sentenças será criada e outras situações terão reajustes de até 50% (dar início a uma ação sobe de 1% para 1,5% do valor em jogo). O valor irá aumentar de acordo com a quantidade de recursos movimentados pela partes litigante.
A Advocacia Paulista está pressionando deputados a votar contra!
A justificativa do projeto é a de incrementar a autonomia financeira do Poder Judiciário do Estado Paulista, permitindo que este possa continuar a atender, com “qualidade e presteza”, aos anseios e necessidades do povo.
Soa muito mal tal argumento, especialmente porque parte das custas processuais serve à composição dos vencimentos dos juízes. Mais indigesto ainda tal projeto neste atual momento delicado em que a imprensa nacional alertou, dias atrás, que o Tribunal de Justiça de Goiás, por exemplo, ampliou regalias e salários de juízes que chegam a R$ 170.000,00 mensais.
Em nota conjunta distribuída aos parlamentares, a OAB, o Instituto dos Advogados Brasileiros, o Instituto dos Advogados de São Paulo, o Movimento de Defesa da Advocacia e o sindicato das sociedades de advogados de São Paulo e do Rio, além do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados, afirmam que “enquanto o Poder Judiciário alardeia a redução de custos pela ampliação de medidas como trabalho remoto e digitalização dos processos, pretende aumentar o ônus do contribuinte paulista que se recupera, com dificuldades, do drama médico, social, pessoal e econômico da pandemia”.
É preocupante utilizar as taxas para arcar com os custos gerais do serviço prestado pelo Poder Judiciário, ao invés de serem suportados com a arrecadação dos impostos. Parlamentares Paulistas estão dispostos a votar bem rápido o projeto, “fazendo média” com o TJSP e prejudicando o jurisdicionado.
Só resta dizer que o acesso à justiça para os Paulistas vai ficando mais longe. Num momento de intensa instabilidade econômica e crescentes violações aos direitos e garantias fundamentais – que impulsionam o cidadão castigado e empresas a demandar no Judiciário aqui e acolá – será para poucos pagar as novas taxas.
Cada vez mais as ideias de Estado Social Democrático, sociedade justa e pleno acesso à justiça diante da lesão ou ameaça a direito, contidas na Carta Cidadã de 88, vão ficando perdidas no “fundo do mar”.
William Nagib Filho – Advogado