Matéria publicada no Valor Econômico do último dia 2 de abril reproduz reportagem realizada por jornalistas do “Dow Jones Newswires”, de Hong Kong, trazendo ao leitor a informação de que estrangeiros podem ficar anos presos na China por disputas civis e comerciais. Não é por conta da prática de algum crime, mas sim porque os tribunais chineses usam do instrumento de proibir a saída do país até que o devedor pague a dívida contraída em benefício próprio ou na qualidade de representante, executivo ou sócio de alguma empresa que andou negociando pelo país e não pagou a conta, não importando o tamanho ou tipo de atividade.
Tudo porque o sistema legal da China permite que o demandante em qualquer disputa civil ou empresarial solicite a um tribunal a imposição da proibição de saída do réu. Se o devedor for uma empresa, a proibição de saída poderá ser imposta ao representante legal, ao responsável ou gerente, com o nome sendo lançado num banco de dados nacional que a polícia verifica em todos os aeroportos e estações de trem.
Se o leitor acha que isso é inovação ou peculiaridade do “lado de lá”, está enganado!
Bem verdade que do “lado de cá” vigora no Direito Brasileiro o princípio da menor onerosidade para o devedor, ou seja, a execução de um crédito não pode ser utilizada como meio de vingança privada, como existia anteriormente (na Idade Média, quando o cidadão não pagava, resolvia-se na bala!), devendo o executado sofrer apenas o necessário para que se consiga a satisfação do direito do credor.
Temos algo parecido por aqui: juízes no Brasil também podem implementar medidas atípicas para forçar o devedor a pagar a conta, dentre elas o confisco do passaporte (proíbe a saída tal como lá na China), suspensão da carteira de habilitação ou mesmo a supressão do uso de cartão de crédito, por exemplo.
Regra geral por aqui: quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor. Mais do que isso: ao juiz também incumbe determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, providências excepcionais que terão lugar desde que tenha havido o esgotamento dos meios tradicionais de satisfação do débito, havendo indícios que o devedor usa de subterfúgios ou blindagens inadequadas para negar o direito de o credor receber o que lhe é devido.
Assim, é permitida a adoção de medidas coercitivas atípicas, deferidas e mantidas enquanto conseguirem operar, sobre o devedor, restrições pessoais capazes de incomodar e suficientes para tirá-lo da zona de conforto, especialmente no que se refere aos seus deleites, aos seus banquetes, aos seus prazeres e aos seus luxos, devendo perdurar pelo tempo suficiente para dobrar a renitência do devedor.
Os Tribunais Brasil afora vinham decidindo, incluindo-se o Superior Tribunal de Justiça, que essas medidas atípicas podem ser implementadas, porém de forma subsidiária (após esgotados os meios ordinários) e observados os princípios do contraditório, da razoabilidade e da celeridade processual, analisados caso a caso, especialmente se for constatada a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio expropriável mas se furta ao pagamento, por exemplo.
De tão polêmica a questão que o STJ terá que pacificar as divergências interpretativas e, por meio do Tema Repetitivo 1137, irá definir se é possível ao magistrado, observando-se a devida fundamentação, o contraditório e a proporcionalidade da medida, adotar os tais meios executivos atípicos, dentre eles o “modelito” Chinês de proibir a saída do país.
O importante é não generalizar. Cada caso é único, até porque, se o magistrado não puder ser mais duro com o devedor contumaz, poderá ser o fim da expectativa do credor de receber algo que lhe é devido.
Lá e cá, as relações credor-devedor, sempre muito conspurcadas, podem merecer um “empurrão” para um adequado desfecho: basta o devedor ser proibido de deixar o país. Que tal?
Colaborador:
Dr. William Nagib Filho – Advogado