Priscila Assumpção
Primeiro, uma pequena bolha começa a se formar no fundo da panela. Mal aparece a primeira, a segunda já se manifesta.
Só havia uma pessoa na minha frente na fila da lanchonete do hospital. Eu acompanhava meu pai, que se recuperava de uma cirurgia para trocar a válvula do coração. Como serviam almoço muito cedo para acompanhantes, eu costumava ir à lanchonete para comer um salgado na hora que a fome sinalizava. Já tinha uma certa familiaridade com as atendentes, do tipo que resulta de vários encontros por cima do balcão. Atendiam com um sorriso, o que deixava os salgados ainda mais gostosos, trazendo um certo alento diante de dias tão cheios de incertezas.
“Quero um salgado sem carne!”, ouvi a mulher à minha frente pedir, uma certa tensão na voz. Devia estar acompanhando algum ente querido também.
“Pois não. Temos coxinha de frango, enroladinho de presunto e queijo, quiche de…”, começou a atendente.
Depois começam a formar bolhas por todo o fundo da panela. Deixam marcas na lateral à medida que sobem, buscando escapar da água que está cada vez mais quente.
“Você é surda? Eu disse que quero um salgado sem carne!”. A voz da mulher já começava a se elevar.
A atendente, com cara de quem não estava entendendo a agressividade da cliente, tentou de novo. “Então, temos coxinha de frango, enroladinho de presunto e queijo, qui…”, e foi interrompida novamente.
“Não é possível! Você é idiota? Quero falar com sua gerente! Você vai ser despedida!”, vociferou a mulher, o rosto vermelho, as veias saltando no pescoço.
Quando chega perto do ponto de fervura da água, as bolhas ficam cada vez maiores e tomam conta de toda superfície. Uma explode e outra já aparece, em uma dança sem fim.
Percebi que elas estavam achando que estavam falando a mesma língua, mas não estavam. Apesar do interesse das duas ser o mesmo, não sabiam como usar uma linguagem colaborativa que traria o resultado desejado por ambas. Minha vontade de ajudar venceu a timidez e acabei perguntando para a atendente:
“Você tem algum salgado sem frango, carne, presunto ou qualquer coisa que venha de animal?” “Temos pão de queijo e quiche de brócolis”, ela respondeu.
A cliente, acalmando-se visivelmente, deu um longo suspiro. Com a voz mais baixa, pediu: “Quero uma quiche de brócolis, por favor”.
Ao desligar o fogo, a água rapidamente para de borbulhar. A superfície volta a ficar lisa e a paz volta a reinar.
Colaboradora: Priscila Assumpção, Terapeuta, Mediadora, Especialista em Comunicação.