Publicado em 1837, o conto de fadas “A Roupa Nova do Rei” é um dos textos mais conhecidos do escritor dinamarquês Hans Christian Andersen. Bastante popular, a fábula narra o golpe aplicado por um espertalhão num monarca vaidoso e em boa parte de sua corte subserviente.
O falsário se apresentou como um conceituado alfaiate que viera de terras distantes para confeccionar uma vestimenta de extraordinária beleza, cara e bonita, porém que somente as pessoas inteligentes e astutas poderiam ver.
Determinados a não passar recibo de ignorância, todos os nobres que acompanhavam a suposta fabricação do traje elogiavam o trabalho daquele prodígio do corte e costura, mesmo sem enxergar qualquer tecido, agulha, linha ou tesoura.
O próprio soberano, ansioso pelo resultado, levou seus ministros para conhecer as vestimentas que considerava autênticas obras de arte. Apesar da mesa vazia, ele derramou elogios à qualidade do serviço, no que foi seguido de imediato pelo seleto grupo de convidados.
Informado de que em breve as roupas estariam prontas, o soberano marcou um desfile para que o povo admirasse toda a sua elegância. Mal saiu do palácio, no entanto, apesar do espanto silencioso dos adultos, um menino começou a gritar: “o rei está nu!”. Em pouco tempo, a mesma frase ganhou volume nas vozes de homens e mulheres que formavam a multidão.
Diante do vexame, o rei correu para o castelo disposto a não sair de lá tão cedo. Bastaram alguns meses, no entanto, para que a rotina fosse retomada, com os mesmos privilégios aos integrantes da nobreza e bajuladores em geral.
Quase dois séculos depois, essa narrativa permanece atual, principalmente na política. Não se trata de crítica gratuita, mas de mera constatação. Salvo exceções raríssimas, os mandatários eleitos formam equipes a partir de acordos partidários ou laços de família e amizade.
Sobra, portanto, espaço mínimo para a crítica a comportamentos e ações que, apesar de aparentemente positivas, carecem de análise dos riscos e consequências a médio e longo prazos. Sem contar, obviamente, a famigerada prática do toma lá, dá cá – enraizada principalmente nas relações entre os poderes executivo e legislativo.
Daí a necessidade quase visceral de um olhar atento e externo sobre os projetos, programas e posicionamentos de governança para apontar eventuais distorções e sugerir ajustes ou correções.
Mais do que talento, capacidade ou formação profissional, essa tarefa exige distanciamento. Só assim, o legislador ou governante, a exemplo do rei da fábula de Andersen, terá chance de admitir a nudez que ele próprio e assessores fingem não perceber.
(José Rosa Garcia é jornalista e Diretor Executivo da Alpha G Consultoria e Comunicação)