Professora e 2 auxiliares foram afastadas das salas, após mãe de menina autista divulgar áudio que sugere que criança era trancada em banheiro. Polícia, MP e a prefeitura apuram 3 casos.
Após a denúncia de possíveis maus-tratos contra uma criança autista, mães de alunos da Creche Municipal Nedy de Oliveira, em Pirassununga (SP), estão preocupados com os filhos. Outras duas denúncias também são apuradas por prefeitura e Polícia Civil.
Uma professora e duas auxiliares foram afastadas das salas de aula. Na quarta-feira (25), o g1 mostrou que a mãe de uma menina de 2 anos escondeu um gravador na mochila dela e ouviu diálogos que, segundo ela, sugerem que a criança era trancada em um banheiro.
Há também comentários sobre a roupa da criança, questionamento sobre a condição de autista da menina e tentativa de assustá-la. Ela foi transferida da escola e ganhou uma bolsa em uma unidade particular.
Pais preocupados
A dona de casa Beatriz Braga disse à EPTV, que ficou esperando um posicionamento da unidade. “A gente fica muito assustada, nós aguardávamos uma posição da creche, nós não tivemos. Simplesmente a gente ouvia por boca de uns, de outros”, afirmou.
A faxineira Daiana Correia Navarro também ficou preocupada.
“Fiquei muito assustada porque eu tenho um filho de 2 anos aqui e uma das professoras envolvidas era da sala do meu filho. Estou no trabalho e pensando nele aqui. Foi muito chocante para todo mundo” , disse.
Mudança de comportamento
No caso da menina autista, desconfiados de que a filha era maltratada por conta de uma mudança no comportamento, Ingrid Moraes e o marido esconderam um celular com o comando de gravador de voz ativado na mochila da criança e registrou um áudio da rotina na unidade, em 6 de maio.
Em um trecho, uma profissional não identificada questiona se a criança, que chorava na ocasião, queria ficar ‘fechada’.
“Quer ficar aí fechada? Se você não parar, você vai ficar aí fechada”, afirmou na gravação uma das profissionais para a criança.
“Só quero justiça pelo que aconteceu com a milha filha. Não podem fazer isso com uma criança, minha filha ficou traumatizada”, desabafou a mãe em entrevista ao g1 na quarta-feira.
O secretário de Educação de Pirassununga, Paulo Rosa, disse que a prefeitura ainda não teve acesso à gravação na íntegra, mas já ouviu as servidoras envolvidas.
“Eles dão as explicações deles, o que aconteceu naqueles momentos. Então, isso tudo, com certeza a polícia vai estar investigando. (…) Nós ouvimos as pessoas, colhemos esses depoimentos, juntamos toda essa documentação e encaminhamos para o setor jurídico para que dê andamento a esse processo investigativo dentro da prefeitura”, disse.
Ao g1, Ingrid contou que notou comportamentos estranhos na filha ao dizer que ela teria que ir para a escola ou ao pegar a criança na creche.
A menina foi diagnosticada com autismo nível três e não fala. “Minha filha não fala, ela não sabe pedir socorro. Ela parou de se alimentar, de sorrir, de brincar. Então foi muito radical.
E, na quinta-feira da semana que eu coloquei o gravador, ela chegou da creche extremamente gelada, muito assustada. Aí ela fez uma posição que imitasse como se ela tivesse presa”, disse na quarta-feira (25).
“Decidimos colocar um gravador, pelo menos a gente vai conseguir ouvir o que está sendo falado. A gente achava que estava tendo maus-tratos, mas de gritarem com ela. Na hora que a gente escuta o áudio é um absurdo, é muito desumano, é coisa que não dá para acreditar que fizeram com uma criança”, desabafou na ocasião.
Veja transcrição de trechos do áudio
O g1 ouviu as 7 horas de gravação e separou trechos com falas das profissionais que sugerem maus-tratos contra a criança, que passa a maior parte do tempo chorando.
Em um trecho, uma mulher questiona se a menina tomou banho e faz comentários sobre como a ela está vestida.
Mulher não identificada 1 – “Não tomou banho? Você tomou banho ou não? Tomou banho ou não? Não?
Mulher não identificada 2- [risadas]
Mulher não identificada 1 – “Poxa vida, hein. Que que aconteceu na sua casa? Não tem água mais?”
[trecho inaudível]
Mulher não identificada 1 – “Ela responde. Ela [inaudível], hein? Tá com água na sua casa ou não?”
Mulher não identificada 2 – “É sempre assim”
Mulher não identificada 1 – “Tem água? Tem água na sua casa, mas a sua mãe não quer dar banho em você que tá frio? Nossa, fala pra ela que você vai ficar com a xixi [inaudível]”
Mulher não identificada 2 – “Sua mãe não dá banho em você, [nome da criança]?”
Mulher não identificada 1 – “Acho que não.”
Mulher não identificada 2 – “Mas molhou o cabelinho, né? Porque o cabelinho tá molhado.”
Mulher não identificada 1 – “A calça é do dia inteiro”
Mulher não identificada 2 – “Desde ontem?”
Mulher não identificada 1 – “A sandália veio sem meia igual ontem [inaudível].
No mesmo trecho, a criança continua chorando e uma mulher afirma que se ela não parar “vai para o banheiro de novo”.
Mulher não identificada 1 – Ê, [nome da criança], que dureza. É difícil, [nome da criança]? Ah pode parar se não você vai para o banheiro de novo. Vai, eu não aguento. Você vai para o banheiro, de manhãzinha na minha orelha. Quer ir para o banheiro?”
Mulher não identificada 2 – “Onde você vai sentar? Então senta, pode brincar”
Mulher não identificada 1 – “Chora baixo também, não quer brincar abaixa a cabeça”
Em outro trecho, não é possível diferenciar a voz de uma mulher que pergunta para a criança se ela ‘quer ficar fechada’ e que, se ela não parar de chorar, ‘vai ficar aí fechada’. A suspeita da mãe é que a criança ficava trancada no banheiro ou em um cercadinho fora da sala.
Mulher não identificada 1 – “Se não você vai lá para o banheiro, que nem ontem”
Mulher não identificada * – “Quer ficar aí fechada? Se você não parar, você vai ficar aí fechada”
Criança continua chorando.
Mulher não identificada * – “Se você não parar você vai ficar fechada. Quer ficar fechada?”
[Barulho que indica uma porta batendo].
Mulher não identificada 1 – “Aí que alívio.”
Mulher não identificada 2 – “Não adianta, ela não para, você pode morrer”
Em outro trecho, a mulher fala que a criança não é autista, mas sim louca e sabe o que faz.
Mulher não identificada * – “Ela é inteligente, ela não é autista”
Mulher não identificada 1 – “Ela é louca”
Mulher não identificada * – “Não é autista, ela sabe o que faz”
Mulher não identificada 2 – “Nós vamos brincar lá fora e a [nome da criança] não vai, a [nome da criança] vai ficar aqui na sala”
Um outro trecho mostra que uma mulher parece tentar assustar a criança se passando por ‘bicho papão’.
Mulher não identificada 2 – “Eu vou pegar a [nome da criança], eu vou comer a [nome da criança], eu vou comer a [nome da criança]”
[Barulho de socos em armário]
Mulher não identificada 2 – “Eu vou pegar ela, vou pegar ela”
[Mais barulho de socos em armários]
* não é possível diferenciar a voz da mulher
Polícia Civil, prefeitura e MP apuram o caso
A Prefeitura de Pirassununga informou que o caso está sendo investigado pela Polícia Civil e que instaurou um procedimento administrativo para avaliar o caso.
Segundo a prefeitura, três profissionais suspeitas de envolvimento no caso, uma professora e duas auxiliares, foram afastadas da sala de aula e fazem serviços internos na Secretaria de Educação, até que a investigação seja concluída. As identidades delas não foram divulgadas.
De acordo com a prefeitura, para que sejam punidas, é necessário que sejam encerradas as investigações policiais e a apuração feita pelo procedimento administrativo instaurado.
A Secretaria de Segurança Pública (SSP) disse que o caso é investigado por meio de inquérito policial instaurado no 1º Distrito Policial, que corre sob sigilo.
O Conselho Tutelar disse que a competência de investigação é da Secretaria de Educação, que prestou todos os atendimentos pertinentes à criança e a família e confirmou que existem outras denúncias de maus-tratos envolvendo a Creche Municipal Nedy de Oliveira.
Procurado pelo g1, o Ministério Público informou na terça-feira (24) que registrou o caso como ‘Notícia de Fato’ e que irá expedir um ofício à Prefeitura de Pirassununga para que seja feita a apuração da conduta das profissionais envolvidas.
Outras duas denúncias são investigadas
Os outros dois registros de ocorrências contra a unidade são investigados sob sigilo. Os pais procuraram a polícia e um advogado após o caso da menina autista ser divulgado na imprensa local.
Um dos casos é de uma menina de 2 anos que apareceu com hematomas. “A mãe questionou o colégio a respeito de terem batido algum brinquedo. Foi relatado que os brinquedos não estariam em uso por estarem enferrujados, o que me assusta porque os são de plástico. A mãe questionou a criança, que fala o nome da criança e diz que a tia ‘fulana’ teria batido, ela faz até o gesto’, afirmou o advogado Nelson Ribeiro Filho, que que representa as famílias dos 3 casos.
A outra criança, também de 2 anos, começou a ter medo de ir ao banheiro. “Segundo relato da criança, ele fala que não queria ir no banheiro, porque as tias dos bebês relatavam que no banheiro tinha monstro e bicho papão”, afirmou o advogado.
Fonte: g1 São Carlos/Araraquara