Antonio Fais
Havia mais de dez anos que não se viam. Ela achava que ele a tinha visto, mas, acompanhado, desviara o olhar. Sentou-se mais ao fundo e, de onde estava, com as luzes já apagadas, não podia vê-los.
Paixão antiga, a de ambos – fugaz; o cinema, outra grande paixão em comum, parecia mais duradoura. No pouco tempo que ficaram juntos assistiram muitos filmes. Achavam que podiam passar a vida assim: cinema e amor, não necessariamente nesta ordem. Era perfeito!
Supersticiosa, para confirmar tudo, perguntou à Ágda, amiga da irmã, que entre outras coisas fazia mapas astrais, lia as cartas e nunca errava – o que Ágda dizia, acontecia.
Postas as cartas, Ágda confirmou:
– Esta é a uma grande paixão. Vocês têm uma sintonia incrível. Mas o destino dele é outro: as cartas mostram alguém do passado, provavelmente a ex-esposa.
– Será? – Perguntou ela, com certa tristeza, meio decepcionada com Ágda. – Parece a Márcia um caso tão encerrado…pelo que ele me diz.
– Mulheres são surpreendentes, querida! No amor e na guerra vale tudo…Tudo! – concluiu Ágda em um tom misterioso.
Recordando-se, não conseguiu prestar mais atenção ao filme. Lembrava, se que isto é possível, de cada filme que assistiram juntos, dos comentários depois e antes do amor.
Passou a prestar atenção em todos os pequenos fatos que envolviam a Márcia. Ele sempre falava dela com carinho. Tinha sido isso, aliás, uma das primeiras coisas que a havia atraído nele. Mas não era mais assim. O que antes fora uma virtude, agora a incomodava profundamente.
Como o contato dele com os filhos era quase diário, era inevitável ele conversar e, por várias vezes, freqüentar os mesmos lugares que a Márcia.
Até que um dia, ciente do destino, antecipando todo o sofrimento, ela terminou tudo. Ele ficou perdido, mandou flores, e-mails, telefonemas…Até que desistiu.
Meses depois, soube que ele estava namorando uma amiga de sua irmã, com quem já tinha tido um caso rápido antes de conhecê-la: a Ágda. Percebeu o que tinha acontecido. Arrependeu-se. Como poderia ser tão tola! Mas era tarde, já o havia feito sofrer muito. Lembrou-se, às lágrimas, da última frase que ouvira de Ágda: “No amor e na guerra vale tudo…”
Soube também que Ágda nunca mais havia posto cartas para ninguém. Diziam que ela tinha perdido o Poder. Ela tinha sido a última para quem madame Ágda havia lido a sorte.
Saiu antes do final da sessão. Vê-los agora era uma carga maior que ela poderia suportar. Não teria reação. Tinha vivido só e bem todo este tempo, mas tudo voltava: cheiros, filmes, gestos, cores, tudo.
Sentou-se só em uma cantina, quando, pouco depois, ouviu chamar seu nome:
– Rê! Regina! Quanto tempo!
Era ele com o sempre alegre e sincero sorriso. Ela tremeu. Hesitou em levantar a cabeça e encarar Ágda. E ele disse:
– Quero que você veja uma pessoa que você conhece bem. Estamos juntos há nove anos.
Regina levantou-se devagar.
– Esta é Cristina. Lembra? A minha primeira namorada. Falava sempre dela para você, assim como falei muito de você para Cristina.
– Ainda falo a ela que só estamos juntos porque você terminou comigo. Vocês duas foram as maiores paixões de minha vida. – Falou rindo, deixando as duas constrangidas, como sempre fazia.
Despediram-se e ela pensou com uma certa satisfação: “Ao menos Madame Ágda não errou!”.