Idealizado por Marcos Kaloy, adaptação do livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, foi levado aos palcos com texto de Alcides Nogueira Pinto, direção de Paulo Betti e atuação de Denise Del Vecchio, Lilia Cabral, Adilson Barros, Christiane Rando e Marcos Frota
“Feliz Ano Velho” é um marco na história do teatro brasileiro, mas talvez nem todos conheçam a verdadeira história de como saiu das páginas do livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva para se transformar em grande sucesso nos palcos do Brasil e do exterior.
A adaptação original escrita por Alcides Nogueira Pinto e que projetou nomes como Paulo Betti, Denise Del Vecchio, Lilia Cabral e Marcos Frota no cenário das artes cênicas celebra 40 anos de sua estreia na semana que vem. Foi durante o Festival de Inverno de Campos do Jordão, na noite de 3 de julho de 1983, que o país conheceu um espetáculo muito à frente de seu tempo.
Talvez a peça “Feliz Ano Velho” não saísse do papel se não fosse a perspicácia e insistência de Marcos Kaloy, hoje empresário e vereador em Monte Alegre do Sul, onde mora. O próprio autor Alcides Nogueira Pinto confirma as raízes do ambicioso projeto.
“Tudo começou com o Kaloy, que teve a ideia de levar para o palco o livro de Marcelo Rubens Paiva. Foi ele quem fez contato com o Marcelo, comigo, com Paulo Betti. Logo chegaram Adilson Barros, Denise Del Vecchio, Lilia Cabral, Christiane Rando e Marcos Frota”, recorda Nogueira. Marcos Kaloy, na época um líder estudantil e ator formado pela Escola Macunaíma, também fez parte do elenco.
Kaloy conhecia Marcelo Rubens Paiva e enxergou potencial para uma montagem cênica baseada no livro, que foi lançado no ano anterior da peça – 1982. Com a autorização do escritor, procurou Alcides Nogueira Pinto que aceitou o desafio, que considerou o início de uma incrível aventura teatral.
“E esses desafios eram muitos! Como adaptar um livro que o Brasil inteiro tinha lido, que provocaram comoção, que era profissional? Como preservar a força e ao mesmo tempo o desamparo desse relato de Marcelo, tão pessoal, tão íntimo? A única saída era não ser Marcelo! Tomar distância e contar a história dele com os olhos possíveis. Então, seguimos”, conta Alcides Nogueira.
O dramaturgo escrevia na época textos para Paulo Betti, Adilson Barros e Denise Del Vecchio quando aceitou o convite para escrever a peça”. Chegaram então Lilia Cabral, Christiane Rando e Marcos Frota. Coube a Paulo Betti a direção.
Marcos Kaloy, embora formado em sociologia e política pela PUC-São Paulo, já atuava como ator e mantinha contato com os atores. “Queríamos contar no palco a história do Marcelo e chamar a atenção sobre a realidade do Brasil da época, comandado pelo regime militar, e o desaparecimento de Rubens Paiva, pai do Marcelo”, recorda Kaloy.
Nogueira manteve no texto da adaptação a mesma naturalidade usada por Marcelo Rubens Paiva ao escrever sua autobiografia. No livro, o autor conta a história do acidente sofrido em uma lagoa em Campinas, que o deixou paraplégico em 1979, quando era estudante da Unicamp. Além disso, narra a infância e adolescência e o convívio com o pai, o ex-deputado federal Rubens Paiva, desaparecido durante a ditadura militar, em 1971.
E Alcides Nogueira conseguiu transmitir com maestria este conjunto de emoções. O resultado foi um espetáculo ágil repleto de criatividade, sensibilidade, comoção e alegria, que conquistou a cumplicidade e empatia do público.
SUCESSO ABSOLUTO E PRÊMIOS
Depois de seis meses de ensaio e sem qualquer patrocinador, “Feliz Ano Velho” estreou em 3 de julho de 1983 durante a programação do Festival de Inverno de Campos do Jordão. Na verdade, o teatro Claudio Santoro serviu como ponto de partida para o espetáculo, que seguiu para São Paulo, onde estreou em 31 de agosto de 1983, Rio de Janeiro, viajou pelo Brasil e ganhou o mundo. A estimativa é que mais de 1 milhão de pessoas tenham assistido a peça.
O espetáculo permaneceu por cinco anos em cartaz e também fez sucesso na temporada no exterior como representante do Brasil nos festivais internacionais de Nova Iorque (EUA), Havana (Cuba). São José (Porto Rico) e Cidade do México.
Aclamado pela crítica, “Feliz Ano Velho” foi premiado em diferentes categorias pelo Molière, Mambembe, além de receber o Troféu Inacen como espetáculo do ano pelo Instituto Nacional de Artes Cênicas, entre outros.
LIGAÇÃO COM A MÚSICA
Para Marcos Kaloy, que atuou e participou da produção da obra para o teatro e diante do sucesso foi convidado para dirigir o Festival Internacional de Teatro da Unicamp, o mais importante é que “Feliz Ano Velho” mantém o estímulo para novas montagens teatrais. O próprio diretor da peça original, Paulo Betti, dirigiu uma nova adaptação em 2021.
Em 2003, ocasião dos 20 anos do espetáculo, todo o acervo de “Feliz Ano Velho”, que havia ficado com o então produtor cultural Marcos Kaloy, foi doado por ele ao Arquivo do Estado, da Secretaria de Cultura do governo do Estado de São Paulo.
Marcos Kaloy resume “Feliz Ano Velho” como uma peça que tinha algo para dizer para a juventude da época. “Além disso, o espetáculo acompanhou o movimento do nascimento do rock nacional com o surgimento de bandas como Legião Urbana, Paralamas do Sucesso, Blitz, Barão Vermelho, entre muitas outras”, diz.
Para confirmar a relação do teatro com a música, Kaloy recorda da noite em que “Feliz Ano Velho” abriu o show da banda Legião Urbana em um evento chamado “Feliz Legião”, na década de 80. “Mais de 5 mil pessoas lotaram o ginásio da Unicamp, em Campinas. Realmente foi especial. Ainda fazíamos, após as apresentações, calorosos debates sobre temas polêmicos para época e que envolvia intensa participação do público”, conclui. .