Por: William Nagib Filho
O (imperdível) filme “Soul” fala de um pianista professor de música e seu maior sonho: tocar ao lado de uma grande artista do jazz. O tema envolve propósito, missão, razão da existência do ser humano e outras coisas que, realmente, emocionam e impõem insuperáveis reflexões sobre a vida.
Quem se importaria com o jazz? Quem lhe daria continuidade?
Não há nada mais democrático do que o jazz. Envolve dedicação e meritocracia. Estudos extremados, técnica, bom senso, criatividade. Enquanto o tema é desenvolvido todos seguem rigorosamente a ideia de quem o criou, numa simbiose envolvente de talentos no executar notas, pausas, dinâmicas e formas de interpretação. A ação de cada partícipe e o respeito de um pelo outro são marcantes. Na hora do improviso, cada um tem o seu momento de criar, sonhar livremente e transmitir a quem ouve sentimentos variados, energia e alma! No jazz tudo se encaixa. Do tema ao improviso e de volta ao tema, a viagem é perfeita.
Na semana passada morreu Chick Corea, um dos grandes músicos de jazz e influenciadores das últimas décadas. Dentre outras tantas perdas acumuladas de expoentes do estilo, estaria o jazz jazendo? O filme “La La Land Cantando Estações” também desperta a mesma preocupação. Quem se interessa pelo jazz?
A este articulista (e a uma infinidade de músicos) Chick Corea mostrou-se o melhor arquiteto da fusão jazz-rock, desde os anos 1970. Quem não se lembra da edição do “Free Jazz” na década de 90, em São Paulo, quando Corea e sua Electric Band trouxeram ao público algo incrivelmente diferente?
Da geração de músicos de Rio Claro todos se inspiraram na música de Corea, que também se dedicou à tradição clássica, gravando obras de Mozart e Chopin, ainda compondo um concerto inteiro para orquestra. Tocar com Miles Davis guiou Chick Corea no caminho que mais definiria seu papel. Gravou cerca de 90 álbuns e arrebanhou 23 Grammys e mais 3 Grammys Latinos. Em 2006 foi nomeado um National Endowment for the Arts Jazz Master, a mais alta honraria para um músico de jazz americano.
Em 1997, fazendo um discurso de formatura na Berklee College of Music, disse aos formandos que insistissem em trilhar seu próprio caminho, afinal, tudo está bem em ser você mesmo: quanto mais sendo você mesmo, mais próspero poderá ser.
Quem observa e se comove com as dificuldades do personagem (pobre e desiludido pianista de jazz) principal do filme “Soul” em ensinar jazz a seus alunos dispersos, zombeteiros e desinteressados por tal música, agradece imensamente a Chick Corea e a tantos músicos que o acompanharam por décadas, nas mais variadas formações.
Professor exímio de tantas gerações, Chick Corea, um gênio, cumpriu sua missão: soube cativar e ensinar com a alma da arte, preparando discípulos que, com certeza, não deixarão o jazz – a mais alta e completa expressão democrática musical – jazer.
Colaborador: William Nagib Filho – Advogado