No apagar das comemorações do Mês da Mulher, importante destacar que o Judiciário começou a levar em consideração a chamada “perspectiva de gênero” em julgamentos país afora. Decisões que garantem à mulher equiparação salarial com coletas homens, proteção às grávidas e trabalhadoras que não têm com quem deixar o filho após a volta da licença maternidade, dentro outras.
Essa diretriz advém do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, aprovado em fevereiro de 2022 pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para todo o Judiciário e previsto na Recomendação 128, na linha do quanto determinado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no sentido de orientar magistrados a compreender a perspectiva de gênero para superar estereótipos e preconceitos.
O protocolo deve ser aplicado para a resolução de conflitos em que o gênero possa influir de alguma maneira na situação enfrentada no caso em concreto, nivelando as desigualdades existentes na sociedade.
A 5ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho de Campinas anulou um pedido de demissão feito por funcionária que, não tendo com quem deixar seu filho após a licença-maternidade, requereu prorrogação da licença por mais alguns dias, sem sucesso, o que a levou a pedir demissão. A decisão converteu a dispensa para rescisão imotivada, com a empresa condenada a pagar indenização pelos meses de estabilidade pós-parto, além de verbas trabalhistas, encargos e multas aplicáveis.
A 8ª Vara do Trabalho da zona Sul na Capital analisou pedido caso de funcionária grávida que faltou por mais de 30 dias seguidos ao trabalho, apresentando atestados e mantendo contato constante com a empregadora. A Justiça considerou relevante o intenso mal-estar físico na fase inicial da gestação a impedir sua presença física. A justa causa foi revertida e aplicadas as verbas inerentes, além de indenização por dano moral.
Uma enfermeira, mãe de criança com paralisia cerebral, obteve o direito à redução de jornada sem desconto na remuneração, numa análise sob a perspectiva de gênero que atentou para o acúmulo de encargos de empregada, mulher e mãe que cuida de filho com necessidades especiais.
Casos de equiparação salarial também merecem destaque: na 22ª Vara do Trabalho de Brasília, sob a leitura da perspectiva de gênero como imposição constituição e não mera faculdade, declarou-se a equiparação da remuneração da colaborada com os demais colegas do mesmo setor e função. Na mesma linha decisão da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo. A empregada, motivo até de piada dentro da empresa, ganhava quase 30% a menos que outros três colegas homens exercentes da mesma função. A Relatora apontou afronta a princípios constitucionais, além de violação ao patrimônio abstrato da trabalhadora.
Projeto de Lei do governo tenta reduzir a desigualdade salarial por gênero, tornando obrigatória a igualdade de remuneração entre homens e mulheres que exercem a mesma função na mesma empresa. A reforma trabalhista de 2017 trouxe multa para inibir essa desigualdade, mas é de pequeno valor e o empregador paga para ver, segundo lembrou a ministra Simone Tebet. Não serviu para muita coisa! No mesmo projeto de Lei do governo, a multa proposta é de 10 vezes o maior salário!
Embora a Constituição Federal proíba todo tipo de discriminação, a desigualdade entre homens e mulheres é pura realidade. De acordo com o IBGE, as mulheres recebem em média 78% do que é pago a um homem na mesma função.
A Unesco mapeou que apenas 28% dos pesquisadores em todo o mundo, nas áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática, são mulheres.
Na busca da verdadeira igualdade, é sempre bom lembrar a Advogada Natércia da Cunha Silveira, em discurso que fez em 1927: “a única desigualdade admissível será a que se fundar na diversidade das qualidades intelectuais e morais do indivíduo”.
William Nagib Filho – Advogado