Pela Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevalecem no Brasil os princípios do melhor interesse da criança e o da prioridade absoluta para ela, de forma a proteger e assegurar os seus direitos fundamentais, mais do que dos adultos.
Esses dois princípios se tornam verdadeiros limitadores do direito à liberdade de expressão e de manifestação do pensamento dos pais, ainda que detentores da autonomia democrática que assegura a exteriorização de ideias, convicções, independentemente de censura ou licença.
As postagens em redes sociais possibilitaram aproximação plena e interação, troca de informações e momentos com amigos, familiares e conhecidos, ainda que distantes, promovendo também novas formas de relacionamentos afetivos e sociais.
Pois bem: o problema está no risco por trás de se postar fotos de filhos, especialmente quando há uma divulgação exacerbada de conteúdo que coloca em risco a segurança, violando os direitos personalíssimos da criança, tais como os da imagem, da intimidade e da privacidade.
É o que se denomina sharenting, junção entre “share” (compartilhar) e “parenting” (manifestação do poder familiar) e se refere ao comportamento, quase que compulsivo, de publicar conteúdo sobre os filhos, usando regularmente as mídias sociais para comunicar informações detalhadas.
Isso se dá por meio de fotos e vídeos em momentos particulares, publicações exteriorizando festas, viagens, primeiros passos, interação com os animais de estimação, participação em eventos variados, entre outros, postagens por vezes constrangedoras ou em situações vexatórias, quando não colocando os próprios filhos em situações de risco.
Essa perspectiva do direito dos pais de se exprimir (livre e democraticamente) ante os direitos da personalidade dos filhos vem causando debates no mundo todo: as crianças e adolescentes têm interesse em proteger as informações negativas (ou até mesmo positivas) a seu respeito, divulgadas por seus pais, impedindo que haja propagação incontrolável.
Também podem não aquiescer com o compartilhamento das informações pessoais, mas não possuem opção de exclusão e nenhum tipo de controle em relação às decisões de seus pais.
Se às crianças é assegurado o direito à privacidade e à intimidade, não podem (à falta de controle por parte dos pais quanto aos dados) ser afetados no futuro por escolhas que não fizeram.
O sharenting viola a privacidade, intimidade, vida privada, honra e imagem, com enormes impactos na formação e desenvolvimento da autoestima e alterações psicossociais, com abalos e constrangimentos presentes ou futuros, sem contar os riscos de bullyng ou ciberbullynbg, além da exposição como alvos em potencial para propósitos escusos em possíveis manipulações de imagem com uso de inteligência artificial.
Há movimentos no mundo todo para proteger a privacidade de crianças e garantir o direito de apagar conteúdos. Nos Estado de Illinois, EUA, há até lei que exige que os pais e mães compensem financeiramente seus filhos pelo que lucraram em canais e vlogs com imagens de quando eram crianças.
Ações de conscientização dos pais servem para evitar resultados danosos aos filhos: boas práticas de navegação na internet e adequada compreensão dos riscos na divulgação de informações dos filhos, incentivando um agir com discrição adequada e respeito à segurança e bem-estar.
Em tese não há problemas no exercício da liberdade de expressão por parte dos pais, desde que dentro dos limites apropriados: a excessiva exposição de informações sobre os menores viola direitos personalíssimos.
Colaborador: William Nagib Filho – Advogado