Por: Antonio Fais
Todas as manhãs chegavam juntos na Padaria. Não vinham abraçados, sequer de mãos dadas. Vistos, de perto ou de longe, vinham unidos, sincronizados por uma música invisível, saindo de dentro um do outro e vice-versa.
Sentavam em uma mesa qualquer, de frente, e conversavam baixo, olhos bem abertos, sorrisos constantes, talvez nem precisassem de palavras. À distância, eu os contemplava com admiração, com inveja, com desejo, com respeito.
Eles trabalhavam em um Instituto de Pesquisa próximo à padaria. Chegavam cedo, batiam o ponto, deixavam alguns experimentos em andamento e iam tomar café.
Talvez conversassem sobre trabalho, sobre o clima, sobre a vida dos outros, sobre filmes e livros, mas tudo exalava paixão.
Os gestos eram lentos, delicados, como que ensaiados, mas não mecânicos, era sempre a mesma peça, naturalmente improvisada, parecia ao mesmo tempo a estreia e a última apresentação, um movimento lento e urgente, quase obsceno.
Eu ia todo dia tomar café, encontrar com amigos e admirá-los, quando eles faltavam, era um vazio em mim, como um dia sem sol, sem brisa, sem café.
Um dia, por exemplo, ela pegou um guardanapo e, sem mexer os lábios, entregou na mão dele, ele o levou certinho ao canto de boca onde havia ficado uma sujeirinha.
Às vezes, em casa, eu me pegava com a imagem deles e pensava: como que um casal que trabalha junto, dorme junto, come junto, ainda tem tanto assunto em um café?
Talvez estivessem no segundo ou terceiro casamento, com as lições assimiladas.
Quase certo que não tinham coisas comuns em comum como criança, carro, casa.
Eles eram a ilusão do amor volátil que eu vivi tantas vezes por poucos tempos.
Um dia, eu tomava café com vários amigos; um deles trabalhava no mesmo Instituto. Quando o casal chegou, eu disse:
– Que casal bonito! Eles vivem grudados em plena harmonia! E ainda têm assunto na padaria!
Entusiasmando, sorrindo, talvez compartilhando comigo a mesma emoção, o colega deles disse com orgulho:
– O laboratório que eles coordenam é um dos melhores de todo o Instituto.
– Há quanto tempo estão casados? – perguntei.
– Há uns 10 anos, eu acho. Mas ele é casado com outra mulher e ela tem o seu marido… E cada vive muito bem com os seus respectivos cônjuges.
Colaborador: Antônio Fais. Escritor, Filósofo, Professor, Especialista em Linguagem e Aprendizagem