Por: Priscila Assumpção
Parecia real. Pele, cabelo, rosto, tudo perfeito. Tinha até poros e lágrimas. Proferia palavras, ideias, mas nenhuma parecia ser de sua autoria. Faltava um certo brilho nos olhos. Era como uma linda casa, mas não havia ninguém dentro e as luzes estavam apagadas.
Dei continuidade à conversa na esperança de chegar em algum assunto que fizesse com que a criatura parecesse mais humana. Parecia faltar pouco, mas não achava a chave certa para chegar a esse ponto.
As roupas estavam impecáveis, limpas, passadas, cada detalhe pensado em como devia envolver o corpo, drapear por cima dos ombros, ajustar-se na cintura e abraçar o quadril. A barra da calça ficava na altura perfeita para mostrar os sapatos novos. Vestia roupas de marca: a última moda. Atribuía-lhe uma certa elegância e a impressão de que estava antenada ao que acontecia à sua volta, pelo menos dentre um grupo selecionado, para pertencer a certa tribo. Perfeita para a selfie que iria para a mídia social.
Percebi que ela não fazia perguntas, mas apenas respondia às minhas. Não parecia ter curiosidade. Pelo menos não pelo que estava acontecendo naquele momento, com quem estava ali. E as respostas não geravam nenhuma reflexão, não traziam novidade. Pareciam aquelas frases motivacionais e citações que encontramos aos montes na internet.
Estava intrigada. Parecia tão real. Quem não olhasse com cuidado iria achar que era normal. Não acharia que todas as suas ideias eram alimentadas por outros, por programadores. Talvez a única coisa que entregava logo era o aparelho que estava em sua mão. Até parecia fazer parte do seu corpo, mas não era conectado diretamente. Ela se conectava através dos olhos e ouvidos.
Aliás, pensando bem, está cada vez mais normal a gente se deparar com essa forma de inteligência artificial. Por isso fica cada vez mais difícil distinguir a artificial da inteligência natural.
Terminei a conversa, que foi quase um monólogo, pois vi que já não tinha mais nada a aprender ou contribuir ali. Juntei meu material e fui para a próxima aula.
Colaboração: Priscila Assumpção, Terapeuta, Mediadora, Especialista em Comunicação.
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