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Por alguém que me ouça

Gisele acordou em pleno êxtase. Parecia haver desmaiado na cama no dia anterior. Mal se lembrava de que dia era. Sábado? Não. Sexta! Era sexta. Dia de trabalho e rapidamente veio-lhe a lembrança de uma reunião com um empresário italiano para discutirem um contrato importante para sua empresa. E estava atrasada!

Não. Não estava. Passava pouco das seis da manhã. Havia tempo para fazer tudo com calma. Café da manhã, banho e lembrar-se da noite anterior. Ah! A noite anterior. O que foi aquilo? Ainda dava tempo de abraçar o travesseiro e ficar se lembrando das últimas horas. E ela que nem queria sair de casa…

– Bom dia, Dona Gisele. A senhora dormiu bem?

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Repete Luzia a mesma pergunta de todas as manhãs, com a mesa cuidadosamente arrumada com leite, café, frutas, pães e geleias.

– Bom dia, Luzia! Muito bem! Muito bem!

– A senhora parece muito contente hoje!
– Luzia, conheci um homem diferente ontem. Diferente de todos os outros. Delicado, encantador, educado, fino… Um Homem de verdade!
– Então segura, porque se homem já tá difícil, quem dera um homem de verdade.

No banho ela se toca, lembra-se da mão dele percorrendo seu corpo. Uma só mão parecia envolver suas costas ao puxá-la para perto de si. Uma pegada de homem mesmo. A água da ducha lembrava a boca molhada percorrendo do pescoço às pernas, os braços fortes que não lhe davam possibilidade de dizer não, que a obrigavam a fazer o que ele quisesse ainda dentro do carro, uma das melhores obrigações de sua vida. Giovani. Era tudo que ela sabia dele. Giovani.

– Bom dia. Dona Gisele. A senhora parece muito bem hoje.

– Bom dia, Doralice. E estou mesmo. A reunião com o Diretor da empresa italiana?

– Ele ligou dizendo que vai se atrasar um pouco. Pediu desculpas, mas houve um imprevisto: Ele perdeu hora hoje.

– Eu também achava que estava perdendo hora, Doralice. Pegue dois cafés que eu quero lhe contar…

– Doralice, conheci um homem encantador ontem.

Saí com umas amigas, para aquelas baladas chatas, onde só tem homem a fim de ficar por uma noite, empresários que querem nos impressionar com seus negócios e suas conquistas… Mas lá estava ele: quieto, discreto, sorridente. Ele me olhava de longe. E eu já o conhecia de algum lugar, mas não conseguia me lembrar de onde. Justo eu, que guardo nomes, telefones de cabeça. Sei o nome de quase todos os funcionários da empresa.

– E olha que são mais de duzentos! – Dizia Doralice para confirmar a memória da presidente da empresa.

– Ele se aproximou de mim, sorriu e perguntou: “Tudo bem?”; e eu Respondi: “Tudo. Eu lhe conheço de algum lugar… Mas não me lembro de onde! E olha que sou boa fisionomista. Eu lhe conheço, não?”; ele apenas sorriu confirmando e eu, “Dá uma pista. Qual o seu nome?”; e ele respondeu “Giovani”.

– Doralice, um homem bonito, forte, olhos verdes, atencioso… Finalmente um homem que me dava atenção, ouvia o que tinha para falar, não escutava, OUVIA!

– Doralice, ninguém mais ouve a gente. Todos só querem saber de contar da sua vida, do que fazem, do que fizeram e do que vão fazer. Ninguém tem paciência de nos ouvir, de nos dar atenção. Mas Giovani não. Ele me ouvia, paciente, concordava comigo.

– Doralice, um cavalheiro! Levou-me ao meu carro, abriu a porta, entrou um pouquinho e foi me abraçando, me agarrando, com delicadeza tirou minha roupa no carro. Uma só mão sua envolvia toda a minha cintura… Doralice, que homem. E ele se despediu dizendo: “Nos vemos amanhã”.

– E aí? E aí? – Perguntava Doralice, sonhando com tal homem também para si.

– E aí? E aí que só sei que se chama Giovani. Não sei onde encontrá-lo. Sei que já o vi antes. Tenho certeza. Eu não esqueço um rosto… Ainda mais aquele rosto, aquelas mãos, aquele beijo…

– Sabe, Dona Gisele? Às vezes a gente só vê uma pessoa com um tipo de roupa e quando vê à paisana não reconhece. É assim com garçom, guarda…
– Quem sabe em um bom terno? Ou Jogando tênis no Clube?

– Dona Gisele, chegou o empresário Italiano.

– Ok! Então vamos a reunião – Disse Gisele, indo para a sala de reuniões.

– Dona Gisele, posso pedir para o Giovani limpar sua sala.

– QUEM?! – Em um grito surpreso.

– Giovani. O faxineiro.

– De uniforme laranja…? Giovani…? Faxineiro…?

Gisele respirou fundo e recuperando sua calma habitual:

– Não! Não quero mais esse moço trabalhando neste andar. Aliás, não o quero mais neste prédio. Solicite outro faxineiro para minha sala e transfira-o a uma filial… De preferência em outra cidade.

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Antônio Fais

Colaborador

Escritor, Filósofo, Professor, Especialista em Linguagem e Aprendizagem.

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